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MARILENE FELINTO
Pedagogia do descaso: "Fefeleche" e escola de lata
De faculdades instaladas em "colmeias" a escolas
arranjadas em "contêineres", o
espírito de improvisação no sistema educacional público em São
Paulo atravessa décadas incólume, e vai da universidade ao ensino básico.
"Colmeias" era como se chamava, nas décadas de 70/80, o aglomerado informal de salas de aula da faculdade de letras da Universidade de São Paulo (USP), abrigada sob a sigla FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), hoje vulgarmente chamada de "Fefeleche" pelos alunos.
"Escolas de lata" ou "escolas de
latinha" são um tipo de contêiner
de bloco metálico que a nefasta
gestão Pitta/Maluf construiu (entre 1999 e 2000) e transformou em
salas de aulas para alunos da periferia da cidade. O governo Covas/Alckmin imitou a prefeitura e mantém ainda hoje umas 30 catacumbas dessas na rede estadual. Tudo para alunos pobres e pequenos, para professores impotentes quase morrerem de calor e surdez num ambiente impróprio.
Com que dignidade vão crescer
as crianças da escola de lata?
Com que auto-estima? Eis aí o
mais absurdo descaso com o espaço pedagógico dos discriminados
e oprimidos, para usar palavras
de Paulo Freire. E o presidente
Fernando Henrique fica se gabando por aí de uma tal "revolução branca" que sua dinastia de
oito anos teria provocado na educação do país. A revolução? Que
mais de 90% das crianças e adolescentes em idade escolar estejam nas salas de aula -só falta
acrescentar que as salas são de lata e que são superlotadas de alunos que não sabem ler nem escrever na 4ª série do ensino básico.
Voltemos à Fefeleche. Há mais
de uma semana, os alunos da faculdade de letras, seguidos pelos
dos outros cursos, entraram em
greve por superlotação das salas
(com até 130 alunos), falta de professores e suspensão de disciplinas. O curso de letras parece no
fundo do poço. Tem uma média
de um professor para cada 35,2
alunos. Na USP, a média padrão
é de 14 para cada professor.
O problema não é novo, e só revela o desprestígio das ciências
humanas mesmo dentro da comunidade acadêmica. A Fefeleche sempre foi a prima pobre das
faculdades da USP. Imagine se a
faculdade de arquitetura ou engenharia aceitariam amontoarem-se em "colmeias" ou nos barracões "da psicologia" dos anos
70? Na minha época, fim dos 70,
meados dos 80, chamávamos a
faculdade de "a letras", o que, segundo um dos professores de então, indicava o começo da decadência: ele, que fizera o curso na
revolucionária rua Maria Antônia, no centro de São Paulo, nos
anos 60, estranhava que não chamássemos corretamente o curso
de "as letras".
Consta que a crise nas letras começou em 1990, quando a faculdade contava com 442 professores. Hoje, esse número caiu para
343 docentes, e a quantidade de
alunos cresceu 20%. Ora, e o que
foi feito em toda esta década? Tudo indica que ficaram assistindo
ao número de alunos crescer e ao
de professores diminuir.
A atitude é típica de um certo ar
de elefante branco que a USP
sempre teve -lerda e pesada.
Mas a universidade foi tão importante na minha vida que eu
perdôo quase tudo nela. Foi mais
doce do que indigno frequentar as
colmeias. Além do que, o buraco é
mais embaixo, como se diz, e ultrapassa a USP: quem jamais se
importou, afinal (no Brasil que
vem se formando desde os anos
70, pelo menos), com as heranças
da tradição, a literatura como estrutura estética, o culto da forma,
a formação do "pensamento crítico" brasileiro? Importante para a
academia é onda do clone (a técnica de engenharia genética e a
novela, igualmente, que ninguém
também se iluda).
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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