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COTIDIANO IMAGINÁRIO
A casa das ilusões perdidas
MOACYR SCLIAR
Polícia investiga troca de bebê
por casa. Cotidiano, 10.jun.99
Quando ela anunciou que
estava grávida, a primeira
reação dele foi de desagrado,
logo seguida de franca irritação. Que coisa, disse, você não
podia tomar cuidado, engravidar logo agora que estou desempregado, numa pior, você
não tem cabeça mesmo, não
sei o que vi em você, já deveria
ter trocado de mulher havia
muito tempo. Ela, naturalmente, chorou, chorou muito.
Disse que ele tinha razão, que
aquilo fora uma irresponsabilidade, mas mesmo assim queria ter o filho. Sempre sonhara
com isso, com a maternidade
-e agora que o sonho estava
prestes a se realizar, não deixaria que ele se desfizesse.
-Por favor, suplicou. -Eu
faço tudo que você quiser, eu
dou um jeito de arranjar trabalho, eu sustento o nenê, mas,
por favor, me deixe ser mãe.
Ele disse que ia pensar. Ao
fim de três dias daria a resposta. E sumiu.
Voltou, não ao cabo de três
dias, mas de três meses. Àquela altura ela já estava com
uma barriga avantajada que
tornava impossível o aborto;
ao vê-lo, esqueceu a desconsideração, esqueceu tudo - estava certo de que ele vinha
com a mensagem que tanto esperava, você pode ter o nenê,
eu ajudo você a criá-lo.
Estava errada. Ele vinha,
sim, dizer-lhe que podia dar à
luz a criança; mas não para ficar com ela. Já tinha feito o negócio: trocariam o recém-nascido por uma casa. A casa que
não tinham e que agora seria o
lar deles, o lar onde -agora
ele prometia -ficariam para
sempre.
Ela ficou desesperada. De
novo caiu em prantos, de novo
implorou. Ele se mostrou irredutível. E ela, como sempre,
cedeu.
Entregue a criança, foram
visitar a casa. Era uma modesta construção num bairro popular. Mas era o lar prometido
e ela ficou extasiada. Ali mesmo, contudo, fez uma declaração:
-Nós vamos encher esta casa de crianças. Quatro ou cinco, no mínimo.
Ele não disse nada, mas ficou
pensando. Quatro ou cinco casas, aquilo era um bom começo.
O escritor Moacyr Scliar escreve neste coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção
em notícias publicadas no jornal.
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