São Paulo, terça, 14 de julho de 1998

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Giannotti critica pós-graduação on line

RICARDO BONALUME NETO
enviado especial a Natal

Pesquisadores ligados à educação à distância estão entusiasmados com as possibilidades que a Internet está trazendo para o setor, regulamentado no país em fevereiro passado por decreto.
Mas o filósofo José Arthur Giannotti recomenda cautela na importação dessas tecnologias e concordou com a exclusão da pós-graduação da regulamentação do decreto.
"Ironicamente", disse ele, iniciou-se um debate sobre tecnologia sem que se conseguisse fazer funcionar corretamente um simples retroprojetor, em um auditório que era uma massa de concreto com um aparelho de ar condicionado deficiente, um exemplo de importação malfeita do modernismo na arquitetura.
Giannotti, que é presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), lembrou os prédios de Brasília: "Tão lindos que a gente não pode nem ficar dentro".
"O Brasil tem uma relação escravocrata com a tecnologia, nós importamos e destruímos", disse o filósofo Giannotti.
"Vamos importar, e é preciso saber como funciona", declarou.
Para Giannotti, é preciso saber conciliar a educação à distância com aquela "presencial" (isto é, na sala de aula). Caso contrário, disse, corre-se o risco de formar enfermeiras que desmaiam ao ver sangue pela primeira vez.
"A maioria das enfermeiras foi formada à distância na Nova Zelândia e na Austrália, e não há provas de que matem mais pacientes do que as outras", rebateu o britânico Alexander Romiszowski, da Universidade de Syracuse, dos EUA, e consultor de projetos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e na Universidade de São Paulo (USP).
Fredric Litto, da Escola de Comunicações e Artes da USP, acha que, em uma sociedade pluralista, é importante que exista uma gama variada de ofertas de ensino.
Nesses casos, a educação à distância muitas vezes é a única possibilidade de dar uma "segunda chance" para as pessoas que não tiveram condições de estudar nos momentos tradicionais.
"O mercado vai decidir sobre o profissional", afirma Litto.
"Eu não acredito que o mercado vá resolver", replicou Giannotti. Para ele, a regulamentação tem de ser feita agora. "Todas as vezes que abrimos o mercado não tivemos como distinguir o fazer do fazer de conta", declarou o pesquisador do Cebrap.
Para Giannotti, o importante não é formar apenas um mercado de trabalho, mas sim "formar uma nação, com gente capaz de pensar".
Romiszowski, engenheiro de formação e ex-consultor da Universidade Aberta britânica, disse que é necessário criar -e que as novas tecnologias deverão ter esse potencial- uma revolução no ensino semelhante à que foi feita nas últimas décadas na agricultura.
A tecnologia na agricultura afastou o espectro de uma crise de falta de comida provocada por uma explosão demográfica.
Romiszowski diz que o trabalhador do futuro será um "trabalhador do conhecimento" e que a educação à distância permitirá uma atualização imediata para quem está ou não na universidade.
Giannotti não crê nessa "utopia". Ao contrário, diz ele, cada vez mais há dois tipos de pessoas, as bem-empregadas e as "com trabalhos cada vez mais informais e menos protegidos".



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