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LETRAS JURÍDICAS
Consciência social sintetiza o Direito
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
No primeiro capítulo do livro "L'Inteligence de la Complexité", organizado por
Jean Louis de Moigne, Edgar Morin (pensador francês) lembra
uma frase pedagógica de Rabelais (1494-1553): "Ciência sem consciência não é senão a ruína da alma". A frase tem atualidade, porque hoje se põe a questão de saber se os campos do conhecimento humano estão abertos, sem limite, à pesquisa e à investigação, sejam quais forem as suas consequências morais, ou se o pensamento rabelaisiano é coisa antiga, superada em face da realidade moderna.
A tese de que o conhecimento
científico se impõe como necessidade, independentemente de suas
conotações morais, pode parecer
estranha ao Direito, mas não é.
Divido essa preocupação com o
leitor. O Direito é ciência social
que, na definição do filósofo italiano Giorgio Del Vecchio, consiste na coordenação das relações
interpessoais. Coordenação equitativa, com vistas ao equilíbrio
entre os que podem e os que não
podem. Ou, mais precisamente,
entre os que dispõem de meios para se defenderem e os que não têm
nem como afirmar suas necessidades mais prementes (o comer, o
morar) nem possibilidade de defender a outorga das possibilidades de sua vida digna. Direito
aplicado exige consciência social.
Há dois modelos básicos de procurar o Direito oficial: um desses
modos é o nosso, com as leis, feitas
pelo Parlamento ou pelo Executivo, interpretadas pelo Judiciário.
Outro é o dos costumes e dos casos
legais, que se vão formando ao
longo do tempo, segundo os comportamentos aceitos pela sociedade e fixados pela magistratura.
Nenhum dos dois sistemas é absoluto, diferentemente do que acontecia um século antes. O Direito
consuetudinário (baseado no costume) predominou na Inglaterra
e nos Estados Unidos. Está passando por transformação grande,
com leis novas, escritas à moda
brasileira, francesa, alemã, italiana. Por outro lado, o "nosso" modo tende a adotar, cada vez mais,
resoluções judiciais imponíveis a
todos os casos assemelhados. Para
tal efeito, chega-se a desconsiderar o que a lei diz porque, escrita
para uma certa época, desajustou-se das mudanças radicais na
vida em comum, sobretudo a contar da segunda metade do
século 20.
A pesquisa e a investigação do
que convém levam em consideração os aspectos morais. O Direito
processual permite a crítica das
alternativas possíveis, pois o devido processo legal é garantia contra o abuso e o arbítrio, que, no
Brasil, se expressa na própria
Carta Magna. Deve chegar-se à
verdade da Justiça oficial por
meio do processo, calcado principalmente na garantia de oportunidades iguais para as partes. Felizmente, nas pesquisas e nos estudos dos quais resultaram muitas alterações do Código de Processo Civil, por exemplo, não se
verificou a "ruína da alma" de
que falou Rabelais, pois preservaram a ampla defesa e o direito do
contraditório, seguindo a Constituição, e assim contribuindo para
a conquista da paz social, da qual
a vida urbana anda tão
necessitada.
Em outros ramos -tome-se o
exemplo do Código Civil novo-,
também predomina esse caminho
-tanto no texto que vigorará em
janeiro como em muitas sugestões
de mudança que vêm sendo feitas
para aprimorar o direito material
envolvido. O debate amplo e a
participação geral se destinam a
dar consciência social aos efeitos
da pesquisa e da orientação puramente técnicas.
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