São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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NÃO

Liberdade e competência

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governador José Serra, a título de proteção à saúde, no Estado, enviou projeto de lei à Assembléia Legislativa proibindo que se fume em restaurantes, áreas públicas e condominiais, táxis etc. A campanha lastreia-se em pesquisas segundo as quais a queda do número de fumantes diminuiu o custo hospitalar para tratamento de câncer e que os não-fumantes terminam por ser afetados, ao absorverem a fumaça exalada. Embora meritória a campanha -eu sou não-fumante-, acredito que o projeto de lei é inconstitucional, por atingir a liberdade das pessoas de fumarem ou beberem (não há projeto de lei proibindo bebidas alcoólicas nos restaurantes), apesar de o fumo e a bebida gerarem dependência e fazerem mal à saúde. Parece-me, ainda, inconstitucional no que invade a competência dos municípios de legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30 inc. I da Constituição Federal). É bem verdade que cuidar da saúde é responsabilidade das três entidades federativas, mas não se pode produzir uma lei, em âmbito estadual, apesar da competência legislativa concorrente (art. 24 inc. XII), que interfira na área de atuação privativa dos municípios ou substitua a competência das normas gerais pertinentes à União (par. 1º art. 24). O direito de licenciar e definir as regras que devem conformar os estabelecimentos de lazer, em qualquer município, é do próprio burgo. Se um estabelecimento, sem que haja lei municipal em contrário, declarar que admite, em suas dependências, fumantes e não-fumantes, os não-fumantes deverão procurar outros estabelecimentos, que não permitam fumantes ou que os separem dos demais usuários. Tal competência é exclusiva dos municípios. O mesmo se diga em relação aos condomínios. Apesar de muitas assembléias condominiais proibirem a presença de cachorros, o Poder Judiciário autorizou os proprietários de apartamentos a mantê-los, nada obstante o incômodo que os latidos provocam aos não-adeptos de ter animais em seus prédios. E, por fim, nos táxis, caberá ao motorista decidir se permite ou não que o passageiro fume, até porque a autorização para o serviço de táxis é municipal. Da lei antifumaça, poderemos chegar à "lei seca" semelhante à da época do "gangsterismo" de Chicago, nos EUA, pois fumo e bebida fazem mal à saúde. Numa democracia, deve-se respeitar a Lei Suprema e a liberdade das pessoas e, quando determinados comportamentos forem indesejáveis, caberá à União definir os parâmetros que deverão ser seguidos pela fiscalização das demais entidades federativas.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 73, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária


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