São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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SIM

Bom senso e saúde coletiva

DAMÁSIO DE JESUS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A polêmica sobre as restrições ao fumo no Brasil está encoberta por uma densa fumaça de argumentos nebulosos.
É preciso dissipá-la com um ventilador de bom senso e conhecimento jurídico e dizer claramente: a proibição protege a saúde de quem não fuma e, justamente por isso, é constitucional.
A União e o governo paulista apresentaram recentemente projetos que, na prática, proíbem o fumo em locais fechados, públicos ou privados. Se forem aprovados, restará aos fumantes a rua ou a sua própria casa para usufruírem de seu hábito.
Para discutir a legalidade dessas propostas, é preciso entender que o que as motivou foi a proteção à saúde coletiva. São de conhecimento público os efeitos nocivos do fumo passivo -mata sete brasileiros todos os dias por doenças decorrentes da exposição à fumaça, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). E sabe-se também que o Ministério da Saúde gasta mais de R$ 300 milhões a cada ano para tratar quem sofre de doenças causadas pelo cigarro. A competência para tratar da saúde dos brasileiros é compartilhada entre a União, os Estados e os municípios. O governo federal fixa as diretrizes gerais e as administrações locais podem, sim, complementar com regulamentações.
Logo, quem diz que há ofensa à autonomia dos municípios e alega que é inconstitucional uma lei estadual que pretende proteger os moradores das cidades do fumo passivo em ambientes fechados precisa conhecer melhor a nossa legislação.
Outros eminentes advogados argumentam que o tabaco é um produto lícito e que seu consumo pode ser dis- ciplinado em lei, mas jamais suprimido.
Ora, nenhum dos projetos em discussão proíbe terminantemente o cidadão de fumar. Só impede que a fumaça incomode a pessoa que está ao seu lado -ou prejudique a saúde dela.
A discussão jurídica dá lugar ao contraditório. E isso é bom, pois possibilita um amadurecimento da opinião pública. O que não é bom para a democracia é uma demonstração de desrespeito à legislação vigente, justamente do mais alto mandatário eleito do país.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende o fumo dentro de seu gabinete em Brasília, ao arrepio da lei (há um decreto que proíbe o fumo no Palácio do Planalto), ele confunde o espaço público com o privado. E nos faz lembrar de um Brasil que queremos mudar -em que as leis valem para uns, mas não para todos.

DAMÁSIO DE JESUS , 73, é advogado, membro do Instituto de Criminologia da ONU e diretor-geral da Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus



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