São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 2000

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MARILENE FELINTO
Sandy & Junior: a coroação da mediocridade

Até os meninos adolescentes estranharam a presença da "dupla infantil" Sandy & Junior no Rock in Rio, programado para janeiro. "Como é que pode? Eles são ridículos! E não é rock o que eles fazem!", protestaram, eles que gostariam de ir ao festival no dia dos grupos Red Hot Chili Peppers e Silver Chair.
Não é preciso conhecer esses grupos para confiar no gosto dos meninos. E basta ter visto e ouvido uma única vez a "dupla infantil" Sandy & Junior para dar razão aos garotos revoltados -inclusive porque não vão ao Rock in Rio, não têm idade para isso.
É claro que o pior de Sandy & Junior não é a qualidade da música que cantam nem o gosto duvidoso do 1 milhão de pessoas que compra ou comprou os CDs da dupla. A música é o que já se disse sobre a canção de consumo das sociedades de massa: um produto industrial que não persegue nenhuma intenção artística senão as demandas do mercado, e em que a fórmula precede e substitui a forma, como bem analisou Umberto Eco.
É a música que o crítico chamou de "gastronômica", dirigida à satisfação de exigências banais por definição, epidérmicas, imediatas, transitórias e vulgares, resultado da infindável circulação de modelos formais medíocres, do plágio circular e sistemático dos mesmos. Quanto ao gosto da massa, quanto à sensibilidade coletiva, não se pode condená-los, já que a "cultura culta" nada oferece à massa. Já que só lhe resta sair catando essa canção fácil e barata no fim de feira do "mercado" da música industrial.
O pior de Sandy e Junior é eles serem jovens. É serem jovens veículos da reprodução de uma mentira em larga escala. São uma mentira, um mau exemplo, um produto de mercado que reproduz uma imagem vazia -a de que não é preciso ser nada, fazer nada, a de que basta ter nascido em berço de ouro e fama para obter "sucesso" na vida.
Sandy e Junior não passam de uma invenção de mercado, criada e alimentada pelo pai dos dois jovens -o cantor Xororó, da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó-, que serve de empresário, produtor de discos, compositor, arranjador etc.
Os dois jovens são uma marca, uma empresa, duas caixas de sabão, dois sabonetes, uma calcinha e uma cueca produzidas para transmitir uma imagem de inocência e castidade, um modelo de comportamento a ser seguido.
Imagem falsa. O site oficial da dupla na Internet mostra que de infantil eles não têm nada. Tudo ali é cifra, comércio, enganação, intenção de venda. Cobra-se até mesmo o ingresso no fã-clube "S&J": R$ 6 para ter direito à "carteirinha" do fã-clube (mediante comprovação de depósito bancário) e R$ 5 "para ser efetivado como sócio e receber o informativo e as fotos da dupla todo mês" (também sob comprovação de depósito).
O pior é a coação ideológica, a persuasão oculta nessa propaganda: a mensagem transmitida pela "dupla infantil" é a de que se deve capitalizar a mentira, lucrar com a exploração de sentimentos e emoções, transformar o nada em usura.
O pior somos nós, esta sociedade incapaz de perceber (e de modificar) as razões histórico-sociais que levam a esse estado de coisas, à aceitação pura e simples das "demandas de mercado" (essa abstração) como explicativa para a coroação da mediocridade. Alguns meninos têm discernimento. A maioria é gado, infelizmente.

E-mail - mfelinto@uol.com.br



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