|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARILENE FELINTO
Sandy & Junior: a coroação da mediocridade
Até os meninos adolescentes
estranharam a presença da
"dupla infantil" Sandy & Junior
no Rock in Rio, programado para
janeiro. "Como é que pode? Eles
são ridículos! E não é rock o que
eles fazem!", protestaram, eles
que gostariam de ir ao festival no
dia dos grupos Red Hot Chili Peppers e Silver Chair.
Não é preciso conhecer esses
grupos para confiar no gosto dos
meninos. E basta ter visto e ouvido uma única vez a "dupla infantil" Sandy & Junior para dar razão aos garotos revoltados -inclusive porque não vão ao Rock in
Rio, não têm idade para isso.
É claro que o pior de Sandy &
Junior não é a qualidade da música que cantam nem o gosto duvidoso do 1 milhão de pessoas que
compra ou comprou os CDs da
dupla. A música é o que já se disse
sobre a canção de consumo das
sociedades de massa: um produto
industrial que não persegue nenhuma intenção artística senão
as demandas do mercado, e em
que a fórmula precede e substitui
a forma, como bem analisou Umberto Eco.
É a música que o crítico chamou de "gastronômica", dirigida
à satisfação de exigências banais
por definição, epidérmicas, imediatas, transitórias e vulgares, resultado da infindável circulação
de modelos formais medíocres, do
plágio circular e sistemático dos
mesmos. Quanto ao gosto da
massa, quanto à sensibilidade coletiva, não se pode condená-los, já
que a "cultura culta" nada oferece à massa. Já que só lhe resta sair
catando essa canção fácil e barata no fim de feira do "mercado"
da música industrial.
O pior de Sandy e Junior é eles
serem jovens. É serem jovens veículos da reprodução de uma
mentira em larga escala. São uma
mentira, um mau exemplo, um
produto de mercado que reproduz uma imagem vazia -a de
que não é preciso ser nada, fazer
nada, a de que basta ter nascido
em berço de ouro e fama para obter "sucesso" na vida.
Sandy e Junior não passam de
uma invenção de mercado, criada e alimentada pelo pai dos dois
jovens -o cantor Xororó, da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó-, que serve de empresário,
produtor de discos, compositor,
arranjador etc.
Os dois jovens são uma marca,
uma empresa, duas caixas de sabão, dois sabonetes, uma calcinha
e uma cueca produzidas para
transmitir uma imagem de inocência e castidade, um modelo de
comportamento a ser seguido.
Imagem falsa. O site oficial da
dupla na Internet mostra que de
infantil eles não têm nada. Tudo
ali é cifra, comércio, enganação,
intenção de venda. Cobra-se até
mesmo o ingresso no fã-clube
"S&J": R$ 6 para ter direito à
"carteirinha" do fã-clube (mediante comprovação de depósito
bancário) e R$ 5 "para ser efetivado como sócio e receber o informativo e as fotos da dupla todo
mês" (também sob comprovação
de depósito).
O pior é a coação ideológica, a
persuasão oculta nessa propaganda: a mensagem transmitida pela
"dupla infantil" é a de que se deve
capitalizar a mentira, lucrar com
a exploração de sentimentos e
emoções, transformar o nada em
usura.
O pior somos nós, esta sociedade incapaz de perceber (e de modificar) as razões histórico-sociais
que levam a esse estado de coisas,
à aceitação pura e simples das
"demandas de mercado" (essa
abstração) como explicativa para
a coroação da mediocridade. Alguns meninos têm discernimento.
A maioria é gado, infelizmente.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
Texto Anterior: Central do Brasil: Restaurante "oficial" atrai 3.000 Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|