UOL


São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

Próximo Texto | Índice

De cada 3 paulistanos, 1 mudou de religião

Flávio Florido/Folha Imagem
Pastor celebra missa em igreja da Assembléia de Deus; pentecostais chegaram ao país em 1910



Mapa mostra concentração de pentecostais na periferia; católicos têm presença mais marcante em áreas consolidadas


EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

O movimento das almas também desenha a cidade. A São Paulo das últimas décadas, como outras metrópoles brasileiras, viu a sua paisagem ser modificada pela crescente oferta da fé. O cinema, o teatro, o estabelecimento comercial, o barraco na favela -lugares profanos- passam a ser palco do sagrado. E assim ocorre a multiplicação das igrejas.
Essa transformação pode ser vislumbrada com a ajuda de uma pesquisa de opinião realizada pelo CEM (Centro de Estudos da Metrópole) do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). No primeiro semestre deste ano, um terço dos 2.002 entrevistados na Grande São Paulo não estava mais na religião de origem. Eles foram questionados sobre a "religião de criação" e a "religião atual".
Segundo o antropólogo Ronaldo de Almeida, 37, pesquisador do CEM e professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o levantamento reflete uma dinâmica em que as características principais são a debilitação do catolicismo hegemônico e a difusão de práticas espirituais de forte emotividade (como pentecostais e Renovação Carismática católica) e também o aumento dos "sem-religião" -uma classificação que pode ser entendida tanto como ateísmo quanto como uma religiosidade não-institucional.
Ronaldo de Almeida frisa que não ter religião não significa, necessariamente, falta de religiosidade. "No grupo, há pessoas que compõem um cardápio particular variado de credos e práticas."
A pesquisa do CEM possibilita também uma avaliação do trânsito religioso. "O catolicismo é um doador universal de fiéis, enquanto os pentecostais e os sem-religião são os principais receptores", resume Almeida.

Território da fé
São Paulo nasceu no movimento religioso. Em 1554, foram os jesuítas que fundaram o colégio que deu origem ao povoado. A vila era a "boca do sertão", que iria permitir o trabalho missionário no interior do Brasil.
A cidade colonial teve seu desenvolvimento urbano dentro chamado Triângulo, formado pelos conventos do Carmo, São Bento e São Francisco. Por 400 anos, foi quase totalmente católica. Nas últimas décadas do século, como no resto do país, a religião hegemônica encolheu. Segundo o Censo 2000, a cidade tem hoje 68,11% de sua população católica.
A primeira igreja pentecostal brasileira foi criada no Brás (região central), em 1910. O italiano Luigi Francescon havia abraçado o pentecostalismo nos EUA e o trouxe a São Paulo. Em 1911, a Assembléia de Deus seria criada em Belém do Pará por pastores suecos, também com passagem pelos EUA, berço do movimento.
Os pentecostais iriam se multiplicar no decorrer dos anos -nas últimas décadas do século 20, surgem dentro do movimento as neopentecostais, em que uma das características é a associação da religião com o sucesso material.

Retrato
Outro estudo do CEM fotografa a composição religiosa da capital. Mapas feitos com dados do Censo 2000 mostram que o crescimento dos evangélicos pentecostais se deu de forma mais acentuada nas periferias leste e norte -áreas de grande exclusão social.
Os extremos são eloquentes. Cidade Tiradentes, distrito no limite da borda leste paulistana -designado por vezes como "depósito de gente" e "caixote de exclusão", em referência aos prédios de conjuntos habitacionais- tem a menor população católica (55,57%). Vila Leopoldina (zona oeste), distrito consolidado e com bons indicadores sociais, tem o maior percentual de católicos (80,45%).
Embora haja relação direta entre alta renda e catolicismo e pobreza e pentecostalismo, este é apenas um fator explicativo, alerta o livre-docente do Departamento de Sociologia da USP Antônio Flávio Pierucci. Há outros, como tradição cultural e presença de migrantes. Regiões de notória exclusão social têm grande percentual de católicos, como o Jardim Ângela (zona sul), com 69%.

Contrastes
O filósofo Mario Sergio Cortella, do Departamento de Ciências das Religiões da PUC-SP, destaca que, na zona leste, o inchaço da população pobre facilitou a multiplicação de igrejas. "Poder chamar o outro de irmão em uma área assim não é coisa pequena."
Para Cortella, o enfraquecimento da ação social da igreja favoreceu o crescimento pentecostal na zona leste. "Já na zona sul, a Igreja Católica tem atuação mais firme. Além disso, a periferia sul tem áreas de proteção de mananciais, e não é tão fácil construir igrejas."
Os kardecistas (espíritas) -2,75% da população-, têm renda mais elevada e habitam áreas mais bem resolvidas.


Próximo Texto: Distribuição espacial revela perfil de igreja
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.