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MOACYR SCLIAR
O bracelete
Ela achou que tinha encontrado o homem de sua vida, mas após o casamento ele mudou: era o boxeador que vira no ringue
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Na Espanha, a Justiça pode impor aos
homens que praticam violência contra
mulheres o uso de um bracelete eletrônico equipado com GPS. Logo que o homem se aproxima da mulher que agrediu
ou ultrapassa o perímetro de segurança
que a protege -na casa, no trabalho-, o
Centro de Vigilância avisa a polícia.
Folha Online
QUANDO se conheceram, ela
achou que tinha encontrado
o homem de sua vida. Com
boas razões: Pedro era bonito, alto,
forte. Muito forte: halterofilista
compulsivo, tinha bíceps gigantescos. Ah, sim, e era boxeador nas horas vagas; ela o acompanhou a várias
lutas, nas quais ele mostrava uma ferocidade assombrosa, castigando os
adversários com uma ininterrupta
saraivada de murros.
Esses detalhes poderiam, naturalmente, ter servido como advertência; apaixonada como estava, contudo, ela não dava importância para
essas coisas. O importante eram as
ternas palavrinhas que Pedro lhe
murmurava ao ouvido.
Logo depois do casamento, contudo, ele mudou. Algo parecido à história do médico e do monstro, diria
ela, depois, à sua advogada. Pedro
agora mostrava o seu lado oculto.
Que nada tinha de gentil, longe disso. Ficou claro que era um homem
violento, tão violento como o agressivo boxeador que ela vira no ringue.
Gritava sem parar, tinha ataques
de fúria. Um dia bateu nela. Um tapa
apenas, mas era o começo: a partir
daí as agressões se seguiram, e logo a
moça estava exibindo equimoses, e
lábios partidos, e olhos roxos. Coisas
que tentava disfarçar com a maquiagem, mas que as amigas, a mãe, as irmãs não tardaram a perceber. Inquietas, começaram a pressioná-la:
ela não poderia continuar com
aquela situação, tinha de tomar alguma providência, o marido a mataria ou a deixaria aleijada.
Depois de uma surra particularmente violenta que resultou na fratura de uma clavícula, ela finalmente se decidiu: procurou uma advogada e iniciou o processo de divórcio.
Coisa que Pedro não aceitava. Alegava que a amava, e, transtornado,
disse que, consumado o divórcio, ele
se vingaria. Não deu outra. No mesmo dia em que foi dada a sentença
judicial, ele a esperou próximo à casa da mãe, para onde ela tinha se
mudado, e na rua mesmo deu-lhe
vários socos.
Aconselhada pela advogada, ela
procurou a polícia. Pedro foi detido
e, depois de um mês, liberado, mas
com uma condição: teria de usar um
bracelete especial, que alertaria as
autoridades caso ele se aproximasse
da casa ou do lugar de trabalho dela.
Funcionou. Ele sumiu. E, depois
de um tempo, começou a telefonar.
Falava, falava muito, e num tom
completamente diferente: garantia
que tinha mudado, que agora reconhecia seus erros, e implorava por
uma segunda chance.
A verdade é que ela o amava. E,
apesar das advertências, aceitou a
proposta. Avisou a polícia acerca da
reconciliação e voltou para a casa
que durante tanto tempo partilhara
com Pedro. Ele a esperava com um
presente. O equivalente, disse, a um
anel de núpcias.
Um bracelete. O mesmo bracelete
que ele usara quando era vigiado. Dizendo a polícia que o tinha perdido,
levara-o a um joalheiro que o decorara com pequenas pedras preciosas. É o símbolo de que o passado ficou para trás, disse ele com um sorriso, de que estamos iniciando uma
nova vida.
Nova vida que parece boa, e ela está feliz. Mas às vezes se sente inquieta. Olha para o bracelete e parece ver
ali uma algema. Uma algema que
agora a aprisiona para sempre.
MOACYR SCLIAR escreve nesta página, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na
Folha.
moacyr.scliar@uol.com.br
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