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Roosevelt amarga queda de movimento
Para comerciantes da praça, tentativa de homicídio contra dramaturgo Mário Bortolotto foi a cena que "fechou a cortina"
Mais vazia após proibição a mesas e cadeiras nas calçadas, praça virou área livre para criminosos, dizem donos de bares da região
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Palco de um dos mais expressivos redutos teatrais do país, a
praça Roosevelt, no centro de
São Paulo, vive uma temporada
sem graça. Pouco mais de uma
semana após uma tentativa de
assalto resultar em três tiros
que atingiram o dramaturgo
Mário Bortolotto, a região
amarga uma redução de ao menos 50% no movimento, segundo os comerciantes locais.
Não que a tragédia que levou
Bortolotto à UTI da Santa Casa,
onde permanecia internado até
a noite de ontem, tenha sido o
desfecho desse enredo.
Segundo os comerciantes, o
crime da madrugada do dia 5
foi a cena que "fechou a cortina", para usar uma expressão
corriqueira do mundo teatral.
O primeiro ato começou a ser
encenado há cerca de 40 dias,
quando mesas e cadeiras foram
proibidas nas calçadas, resultado de um abaixo-assinado de
moradores dos prédios da praça entregue ao Ministério Público. Pressionada, a prefeitura
exigiu a retirada e iniciou discussão para a regularização dos
estabelecimentos. Quase todos
não têm alvará para funcionar.
As calçadas se tornaram "território livre para criminosos,
"noias" e traficantes circularem
à vontade", segundo Esdras
Vassalo, 76, o Doca, dono do
PPP (Papo, Pinga e Petiscos).
"Vou dar férias coletivas e
talvez demita um funcionário.
Com as calçadas vazias e a praça transformada em labirinto
de esconderijo de bandido, este
é o pior momento da Roosevelt", diz Doca, há 14 anos na
praça, seis deles com o bar.
A Folha circulou entre as
21h de anteontem e as 3h de
ontem por lá. Durante o período, flagrou "noias" e moradores de rua abordando, algumas
vezes de forma agressiva, transeuntes e frequentadores, que
deixam as mesas para fumar cigarro do lado de fora. A oferta
de padê (na gíria da noite, cocaína) chega a ser ostensiva.
Naquelas seis horas, nenhum
carro da Polícia Militar foi avistado pela Folha. A PM diz fazer
operações específicas no local,
em carros e a pé. Afirma que
prendeu 185 pessoas na região,
além de ter apreendido 12 armas e recuperado 78 carros
furtados ou roubados. Mas isso
ocorreu de janeiro a outubro,
bem antes do tentativa de assalto e do vazio das calçadas.
Babel em cena
À 0h05, a livraria HQMix estava vazia. "Nunca foi assim",
queixa-se o dono Gualberto
Costa, 55. "Depois da 1h, bares
têm que fechar, as pessoas precisam sair para fumar. Nosso
horário é boêmio. Funcionamos até as 3h. E existem peças
que terminam às 2h. As pessoas
querem circular, conversar."
Só que elas saíram de cena.
"Quem vem para o teatro não
fica mais", conta Rodolfo García Vázquez, 47, diretor e fundador dos Satyros. Para ele, a
praça é hoje cenário do "assassinato da cultura paulistana".
Antes palco de violência e
crimes, ninguém duvida que
essa "migração" cultural trouxe
civilidade à região. "Nesses
tempos, nunca teve um tiro por
aqui. Agora, com o esvaziamento, ocorreu essa barbaridade [o
crime contra Bortolotto]. Você
acha que foi uma coincidência
ou consequência [do esvaziamento da praça]?", questiona.
Margot de Coberville, 49, dona do bar Satyricos, acha que a
resposta passa por um somatório de fatores que vai da retirada das mesas à redução drástica
do público. Pelas suas contas, a
queda esbarra em 70%. A segurança, diz ela, não pode passar
batida nessa discussão. "Além
de toda a sua importância teatral, a Roosevelt estava se
transformando num corredor
da noite entre a Consolação e a
Augusta. Como é possível não
termos uma base da PM aqui?"
Nas palavras da moradora
Angela Guidugli, 43, arquiteta
que vive lá há cinco anos, a região é a versão paulistana da
torre de Babel. "Nesse conflito
entre comerciantes e moradores, ninguém fala a mesma língua", diz. "Se tem gente, querem inibir. Só que com esse marasmo, você abre a guarda."
No centro da polêmica está
Maurício Luiz Bertoni, 42, morador acusado pelos comerciantes de articular o abaixo-assinado. Seu ataque recai sobre a sede dos Parlapatões, que,
diz ele, excede o horário de funcionamento (leia texto ao lado).
Hugo Possolo, 47, diretor dos
Parlapatões, nega. Diz que os
clientes saem para fumar, o que
pode gerar barulho. Foi no Espaço Parlapatões que Bortolotto levou três tiros durante tentativa de assalto. Ele faz questão de afirmar que não é um dia
de tragédia que vai macular o
espaço. "Aqui é um lugar da
graça, não da desgraça."
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