São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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Roosevelt amarga queda de movimento

Para comerciantes da praça, tentativa de homicídio contra dramaturgo Mário Bortolotto foi a cena que "fechou a cortina"

Mais vazia após proibição a mesas e cadeiras nas calçadas, praça virou área livre para criminosos, dizem donos de bares da região

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA

Palco de um dos mais expressivos redutos teatrais do país, a praça Roosevelt, no centro de São Paulo, vive uma temporada sem graça. Pouco mais de uma semana após uma tentativa de assalto resultar em três tiros que atingiram o dramaturgo Mário Bortolotto, a região amarga uma redução de ao menos 50% no movimento, segundo os comerciantes locais.
Não que a tragédia que levou Bortolotto à UTI da Santa Casa, onde permanecia internado até a noite de ontem, tenha sido o desfecho desse enredo.
Segundo os comerciantes, o crime da madrugada do dia 5 foi a cena que "fechou a cortina", para usar uma expressão corriqueira do mundo teatral.
O primeiro ato começou a ser encenado há cerca de 40 dias, quando mesas e cadeiras foram proibidas nas calçadas, resultado de um abaixo-assinado de moradores dos prédios da praça entregue ao Ministério Público. Pressionada, a prefeitura exigiu a retirada e iniciou discussão para a regularização dos estabelecimentos. Quase todos não têm alvará para funcionar.
As calçadas se tornaram "território livre para criminosos, "noias" e traficantes circularem à vontade", segundo Esdras Vassalo, 76, o Doca, dono do PPP (Papo, Pinga e Petiscos).
"Vou dar férias coletivas e talvez demita um funcionário. Com as calçadas vazias e a praça transformada em labirinto de esconderijo de bandido, este é o pior momento da Roosevelt", diz Doca, há 14 anos na praça, seis deles com o bar.
A Folha circulou entre as 21h de anteontem e as 3h de ontem por lá. Durante o período, flagrou "noias" e moradores de rua abordando, algumas vezes de forma agressiva, transeuntes e frequentadores, que deixam as mesas para fumar cigarro do lado de fora. A oferta de padê (na gíria da noite, cocaína) chega a ser ostensiva.
Naquelas seis horas, nenhum carro da Polícia Militar foi avistado pela Folha. A PM diz fazer operações específicas no local, em carros e a pé. Afirma que prendeu 185 pessoas na região, além de ter apreendido 12 armas e recuperado 78 carros furtados ou roubados. Mas isso ocorreu de janeiro a outubro, bem antes do tentativa de assalto e do vazio das calçadas.

Babel em cena
À 0h05, a livraria HQMix estava vazia. "Nunca foi assim", queixa-se o dono Gualberto Costa, 55. "Depois da 1h, bares têm que fechar, as pessoas precisam sair para fumar. Nosso horário é boêmio. Funcionamos até as 3h. E existem peças que terminam às 2h. As pessoas querem circular, conversar."
Só que elas saíram de cena. "Quem vem para o teatro não fica mais", conta Rodolfo García Vázquez, 47, diretor e fundador dos Satyros. Para ele, a praça é hoje cenário do "assassinato da cultura paulistana".
Antes palco de violência e crimes, ninguém duvida que essa "migração" cultural trouxe civilidade à região. "Nesses tempos, nunca teve um tiro por aqui. Agora, com o esvaziamento, ocorreu essa barbaridade [o crime contra Bortolotto]. Você acha que foi uma coincidência ou consequência [do esvaziamento da praça]?", questiona.
Margot de Coberville, 49, dona do bar Satyricos, acha que a resposta passa por um somatório de fatores que vai da retirada das mesas à redução drástica do público. Pelas suas contas, a queda esbarra em 70%. A segurança, diz ela, não pode passar batida nessa discussão. "Além de toda a sua importância teatral, a Roosevelt estava se transformando num corredor da noite entre a Consolação e a Augusta. Como é possível não termos uma base da PM aqui?"
Nas palavras da moradora Angela Guidugli, 43, arquiteta que vive lá há cinco anos, a região é a versão paulistana da torre de Babel. "Nesse conflito entre comerciantes e moradores, ninguém fala a mesma língua", diz. "Se tem gente, querem inibir. Só que com esse marasmo, você abre a guarda."
No centro da polêmica está Maurício Luiz Bertoni, 42, morador acusado pelos comerciantes de articular o abaixo-assinado. Seu ataque recai sobre a sede dos Parlapatões, que, diz ele, excede o horário de funcionamento (leia texto ao lado).
Hugo Possolo, 47, diretor dos Parlapatões, nega. Diz que os clientes saem para fumar, o que pode gerar barulho. Foi no Espaço Parlapatões que Bortolotto levou três tiros durante tentativa de assalto. Ele faz questão de afirmar que não é um dia de tragédia que vai macular o espaço. "Aqui é um lugar da graça, não da desgraça."


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