São Paulo, Sábado, 15 de Janeiro de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Lições de um corpo no Paraguai

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

Vozes do regionalismo preconceituoso disseram, no começo, que a morte do juiz de Cuiabá (MT) José Leopoldino Marques Amaral, sejam quais forem as circunstâncias que a determinaram, foi a ponta do iceberg da deterioração ética de segmentos do Poder Judiciário naquele Estado.
Uma nota desta semana, na Folha, contou que a Polícia Federal havia retomado a investigação do crime, cometido por "motivo torpe", reacendendo o tema que parecia abandonado.
Aquele magistrado estava em conflito público com seu Tribunal de Justiça, acusando desembargadores de corrupção, que, por seu lado, também lhe imputavam ações criminosas. Em outros Estados há surdos conflitos provocados por magistrados com relação aos quais, durante anos, é voz corrente que vendem sentenças e acórdãos.
Voz corrente, mas impossível de ser manifestada com clareza pelas fontes acusadoras em Cuiabá e em outras partes, ante a extrema dificuldade da prova, trazendo riscos de denunciação caluniosa, sem falar no espírito corporativo que cerca de proteção os magistrados honestos e os não honestos.
Salvo poucas, mas honrosas, exceções, as autoridades judiciais se recusam até a simples preliminares de apuração, alegando que seria necessária uma acusação formal escrita para legitimar a iniciativa. Ora, se a corrupção de um árbitro de futebol é complicadíssima de comprovar, imagine-se a corrupção de um desembargador, ou mesmo de magistrado de primeira instância. Quando, porém, nem os sinais exteriores de riqueza são tomados como um início de prova, lembrando Rui Barbosa, chega-se à vergonha da honestidade mantida.


"Autoridades se recusam até a simples preliminares de apuração"

A cautela na apuração deve ser extrema, pois não se pode correr o risco de, num gesto imprudente, permitir que a honra de um inocente seja enxovalhada. Mas, se uma, cinco, dez fontes respeitáveis afirmam a corrupção, dando detalhes, não é justo que a administração da Justiça omita providências para, com discrição e cuidado, conferir as informações recebidas, colhendo outros dados disponíveis.
A reação usual, porém, torna inviável a punição. Ante a dificuldade da prova feita de fora para dentro do tribunal, o possível acusador se retrai, temeroso da possibilidade de ser processado por calúnia, mesmo quando saiba, com absoluta certeza, que o juiz é corrupto.
Por outro lado, tem-se falado que, muitas vezes, a questão se põe no campo da corrupção em termos não de dinheiro, mas de vantagens pequenas e grandes, para o magistrado ou pessoas ligadas a ele, como viagens, presentes caros e até favores sexuais. Sempre em moldes que idealmente jamais deveriam ser admitidos, mas que, com o passar dos anos, foram alargando sua aceitação.
Entre tais favores - não necessariamente dos políticos-, os que são feitos na busca ou na esperança de promoções ou de lugares melhores na carreira.
O caso do juiz mato-grossense, com a pluralidade de ofensas recíprocas, até que a morte o colhesse, no Paraguai, é sério demais para ser esquecido. Ele, como acusador, e aqueles que o acusam, sendo também acusados, não serão santos nem demônios enquanto os fatos -fatos, e não versões- ficarem sem o devido esclarecimento.
Em tempos de crise, mais do que nunca, o Judiciário deve mostrar sua face de Penélope: não basta que sua maioria seja de juízes íntegros.
Além de o serem, hão de aparecer íntegros para seu cliente e seu pagador: o povo. A retomada da investigação pela Polícia Federal é, nesse sentido, um bom indício.



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