São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

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MOACYR SCLIAR

Divórcio à brasileira


Não voltou para casa naquele dia, nem no seguinte. No terceiro dia veio, mas para buscar a mala



Um casal de franceses que viva em Londres se sairia melhor obtendo divórcio na França ou na Inglaterra? "Se estou assessorando a mulher, aconselho-a a pedir em Londres, mas se meu cliente é o marido, recomendo Paris", responde a advogada Charlotte Butruille-Cardew, especialista em divórcios franco-britânicos. Um marido que disponha de um patrimônio equivalente a R$ 200 milhões teria de pagar metade à mulher caso o divórcio seja realizado em Londres e, no máximo, R$ 12 milhões se o divórcio fosse em Paris. Em conseqüência do crescimento de casamentos internacionais na Europa, os especialistas têm de dedicar atenção especial às diferentes leis nacionais. Mundo, 9 de janeiro

CASADOS há muito tempo, e bem casados, segundo eles próprios afirmavam, seguiam todos os dias uma rigorosa rotina: levantavam-se cedo, faziam ginástica lado a lado, banhavam-se, vestiam-se e depois sentavam-se juntos para tomar o café e ler o jornal. Iam trocando os cadernos: ele lia o primeiro caderno e a seção esportiva, enquanto ela folheava o caderno de variedades. Depois trocavam e, enquanto isto, iam comentando as notícias. Aquela do divórcio na Europa foi ele quem viu primeiro e resumiu-a para a esposa, que escutou sem dizer nada.
-Então -perguntou ele. -O que você acha disso? Não é uma situação interessante?
Ela continuava calada. Finalmente olhou-o, e olhou-o de um jeito estranho, um jeito que até a ele surpreendeu.
-O que você faria? -perguntou.
-O que eu faria em relação a quê? Ele não estava entendendo.
-Se a gente estivesse na situação desse casal de franceses. Onde é que você escolheria se divorciar? Na Inglaterra, dando-me metade do patrimônio, ou na França, pagando-me um décimo disso?
Ele não sabia o que dizer; nunca tinha pensado num dilema assim, mesmo porque a idéia de divórcio jamais lhe passara pela cabeça: afinal, estavam muito bem casados, e há vários anos.
-É preciso pensar nisso -insistiu ela. -Divórcio é uma coisa que pode acontecer a qualquer casal, mesmo aqueles que parecem ser muito felizes. E então? Londres ou Paris? Metade do patrimônio ou uma ninharia?
Àquela altura ele já não estava mais achando graça na conversa; mais do que isso, o sangue começava a subir-lhe à cabeça. Homem impulsivo, costumava falar o que lhe vinha à mente e foi o que aconteceu: disse que a mulher era uma idiota, que estava buscando sarna para se coçar e que se não se calasse ele lhe fecharia a boca a bofetadas. Ela pegou o copo de laranjada e jogou nele. Ele levantou da mesa e foi embora.
Não voltou para casa naquele dia, nem no seguinte. No terceiro dia veio, mas para buscar a mala e anunciar que estava residindo num flat.
Estão se divorciando. Não em Londres, nem em Paris; em São Paulo mesmo, onde moram. Mas em matéria de amargura e de rancor o divórcio deles nada fica a dever àqueles que envolvem grandes somas e que têm como cenário os tribunais internacionais.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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