São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001 |
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PASQUALE CIPRO NETO Saber e sabor Nas últimas semanas, falamos de palavras fiéis e de palavras traiçoeiras. O atentíssimo leitor (e colega, ou seja, professor de português) Flatônio J. da Silva, de Brasília, escreveu para lembrar uma dupla bem traiçoeira: "dispêndio" ("gasto", "despesa") e "despender" ("gastar", "consumir"). Ambas vêm do latim ("dispendiu" e "dispendere", respectivamente), mas, na hora da grafia portuguesa, seguiram caminhos diferentes. Está feito o registro, caro Flatônio. A história das palavras tem caminhos surpreendentes. De onde vem a palavra "aerossol", por exemplo? É bom dizer que os dicionários não registram a forma "aerosol", com apenas um "s". O "Vocabulário Ortográfico", da Academia Brasileira de Letras, no entanto, registra as duas formas ("aerossol" e "aerosol"). "Aerossol" vem de "aero" + "sol". "Aero" é elemento grego e significa "ar", "aéreo". Encontra-se em "aeróbico", "aerodinâmico", "aeródromo" e em tantas outras palavras da língua. E "sol"? Seria o glorioso "astro rei", como diziam antigamente os locutores esportivos? Não é, não. Esse "sol" é a redução de "hidrossol", termo da físico-química. O "Aurélio" define "hidrossol" como "solução coloidal aquosa". "Hidro", não custa lembrar, é elemento grego e significa "água". Mas o melhor está por vir. Esse "sol" de "hidrossol" é a redução de "solução". Que dominó! Depois dessa, acho que ninguém se surpreenderá ao descobrir que "saber" e "sabor" são uma coisa só. "Saber" vem do latim "sapere", que significa "ter gosto, sabor". Quem sabe gosta. Quem gosta sabe. Um dos tantos significados de "saber" é justamente "ter gosto". Esse sentido, pouco comum na língua corrente do Brasil, é frequente em Portugal, e dele não faltam registros literários brasileiros e portugueses. Vejamos os citados no "Aurélio": "O licor tinha a mais bela cor de topázio, fina e transparente. E sabia gostosamente a frutos e a doce" (Maria Archer, "Fauno Sovina"); "Era uma infusão descorada que sabia a malva e a formiga" (Eça de Queirós, "A Cidade e as Serras"). O terceiro exemplo é delicioso, ou melhor, saboroso: "Livros como vinhos: quanto mais velhos mais sabem" (Guilherme Figueiredo, "Despropósitos"). E "insípido"? Tem alguma coisa com a história? Vamos lá: "insípido" é o contrário de "sápido", que, por sua vez, significa "que tem sabor", "saboroso". "Insípido" é "o que não tem sabor". Dessa família também faz parte "insipiência", definida nos dicionários como "qualidade de insipiente". O que é "insipiente"? É o contrário de "sapiente", ou seja, é "aquele que não sabe". Afinal, "saber" e "sabor" são da mesma família, lembra? Não estranhe a troca do "a" de "sápido" e de "sapiente" por "i" em "insípido" e "insipiente", fenômeno comum na língua. Os mais velhos certamente se lembrarão dos metaplasmos, que antigamente a escola ensinava. Um belo dia, tratarei disso. Por falar em "insipiente", nada de confundi-la com "incipiente", da família de "incipere", que vem do latim e significa "começar". "Incipiente" é "iniciante", "principiante". É isso. Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras. E-mail: inculta@uol.com.br Texto Anterior: "É um marco para a nossa causa" Próximo Texto: Há 50 anos Índice |
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