São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

Próximo Texto | Índice

AMBIENTE

Regiões mais quentes de SP concentram precipitação e consomem umidade, que não consegue chegar às áreas de mananciais

Ilhas de calor afastam chuva de represas

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em quase todos os verões, as cenas são as mesmas em São Paulo: enchentes de um lado e reservatórios vazios de outro. A explicação também é recorrente: chove no lugar "errado", ou seja, na cidade, não nos mananciais. Mas por que a chuva é "atraída" para o centro urbano e não chega -ou chega com menos intensidade do que o necessário- às represas?
A explicação, segundo especialistas, está no efeito das ilhas de calor formadas pelas excessivas pavimentação e verticalização em áreas específicas da metrópole.
Que elas são responsáveis por chuvas mais intensas e localizadas em grandes áreas urbanizadas de todo o mundo, não é novidade. Mas, para a Grande São Paulo, as conseqüências são mais perversas: as ilhas de calor "seqüestram" a umidade vinda do mar e afastam as chuvas dos reservatórios.
Um volume menor de precipitação dificulta ainda mais a recuperação dos sistemas de abastecimento, que operam sem nenhuma folga e sofrem com desperdícios e consumo excessivo, de um lado, e perdas na rede, de outro.
Em São Paulo, as ilhas de calor estão exatamente na rota da brisa marítima que traz a umidade fundamental para fazer chover. O ar úmido entra na região metropolitana pelo sudeste, mas não costuma ir muito longe porque encontra, na fronteira entre as regiões central e leste da capital, temperaturas que, no verão, chegam a ser 5C superiores às registradas nos mananciais das represas Billings e Guarapiranga (zona sul) e do sistema Cantareira (zona norte).
As partículas do ar quente têm mais energia cinética (de movimento), portanto tendem a se deslocar mais e com maior rapidez para as camadas altas da atmosfera, carregando consigo a umidade da brisa. Lá, ao entrar em contato com temperaturas mais frias, a umidade se condensa e causa as chuvas fortes.

Instabilidade
Quanto mais quente o ar, mais ele sobe. Quanto mais ele sobe, maior a instabilidade atmosférica, ou seja, maior a tendência a temporais, raios e granizo. "Brisa marítima e ar quente formam uma mistura explosiva", resume Augusto José Pereira Filho, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG/USP (Instituto Astronômico Geofísico da Universidade de São Paulo).
Estudo realizado por Pereira Filho, Reinaldo Haas e Tércio Ambrizzi (os dois últimos também do IAG) concluiu que, entre 1999 e 2002, 60% das chuvas que causaram enchentes na capital paulista foram causadas pela combinação de brisa marítima e ilhas de calor.
Quanto mais umidade é consumida nas tempestades, menos sobra para se deslocar e provocar chuvas nos extremos norte e sul.
As chuvas intensificadas pelas ilhas de calor costumam atingir as próprias ilhas ou se deslocar um pouco por causa dos ventos. Em São Paulo, há ventos que vêm do noroeste que costumam empurrar as tempestades ainda mais para o leste e para a região sudeste.
Segundo Pereira Filho, os reservatórios de São Paulo se beneficiam mais das frentes frias do que das típicas chuvas de verão.
Anteontem, a situação dos dois principais sistemas de abastecimento da Grande São Paulo era a seguinte: Cantareira, 5,9% da capacidade máxima e chuva acumulada de 74,3 mm (contra uma média de 109 mm para fevereiro); Guarapiranga, 34,3% da capacidade máxima e chuva acumulada de 85,6 mm (contra uma média de 196,2 mm em fevereiro). Cada milímetro equivale a um litro de água em um metro quadrado.

Matemática da "atração"
A "atração" que a ilha de calor exerce sobre a chuva fica clara nos dados do radar meteorológico.
Avaliando imagens de 12 episódios de chuva entre fevereiro e março de 2001, o professor Augusto José Pereira Filho constatou que, em todos os dias, choveu mais nas zonas centrais e leste do que nas regiões norte e sul. A diferença entre a precipitação acumulada variou de 25 a 100 mm.
Segundo medições da Defesa Civil do Município, em janeiro, a chuva acumulada nos distritos que estão no centro da ilha de calor superou em quase 300 mm os volumes registrados nos que ficam mais próximos aos principais mananciais.
Na subprefeitura da Mooca (zona leste), choveu 228,1 mm, na Vila Prudente (zona leste), 300,6 mm, e na Sé (centro), 262,8 mm. Já em Perus (zona norte), o acumulado foi de 192 mm, na Capela do Socorro (zona sul), de 134,8 mm e no Campo Limpo (zona sul), de 181,1 mm.



Próximo Texto: São Paulo tem 77 microclimas diferentes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.