São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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MEMÓRIA

Vinte anos após incêndio ter matado ao menos 93 pessoas, moradores querem receber mais atenção da empresa

Petrobras "esqueceu" tragédia, diz Vila Socó

FAUSTO SIQUEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CUBATÃO

Duas imagens são recorrentes nos relatos de quem, há 20 anos, sobreviveu ao inferno da Vila Socó, em Cubatão (SP): a do homem que colocou os filhos numa geladeira, na ilusão de assim salvá-los do fogo, e a de uma família ilhada pelas chamas em um barraco que nem sequer ficou chamuscado.
Em um culto multirreligioso na terça-feira de Carnaval, no próprio bairro, os que ficaram vão reverenciar a memória dos que desapareceram na noite de 24 de fevereiro de 1984, tragados pelo devastador incêndio, uma das maiores tragédias do país.
O fogo resultou do vazamento de 700 mil litros de gasolina de um duto da Petrobras que passava sob as palafitas da favela, à época com quase 6.000 moradores. Oficialmente, 93 pessoas morreram, o equivalente ao número de corpos encontrados.
"O que mais me revolta é ouvir que morreram 93 pessoas. E os bebês que derreteram? E os corpos que acharam em pedaços, divididos? Morreram mais de 200", suspeita a dona-de-casa Maria do Carmo da Silva Fagundes, 59.
Após a tragédia, a favela foi extinta e, no lugar, surgiu um bairro urbanizado, com 1.253 casas de alvenaria, 4.317 habitantes (segundo censo da prefeitura), ruas asfaltadas, escola e posto de saúde. A Justiça não apontou responsáveis pelo acidente, mas os atingidos foram indenizados pela Petrobras e construíram novas casas na própria Vila São José -eles não se referem mais ao local como Vila Socó- ou em outros bairros.
Mesmo assim, acham que as ações da empresa não reparam a perda das famílias. "Fiquei com trauma de fogo, até mesmo na minha própria cozinha", diz a aposentada Maria José dos Santos, 52.
"A Petrobras foi a responsável e nunca investiu nada no bairro. A única coisa que existe é um curso de alfabetização de adultos, com 30 alunos. A empresa ainda está em dívida com a comunidade", afirma Ednei Manoel de Souza, 28, presidente da sociedade de melhoramentos local.
Para ele, as condições de segurança no bairro -por onde ainda passam os oleodutos- são hoje bem melhores, mas a estatal falha ao "esquecer" o lugar da maior tragédia relacionada à empresa.
O prefeito de Cubatão, Clermont Silveira Castor (PL), que, como médico, atendeu às vítimas na noite do incêndio, discorda. "Eles [a Petrobras] fizeram a parte deles, sim. Houve um resgate do lado social, com a construção de novas moradias, e hoje a fiscalização dos dutos é maior."
O coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros da Baixada Santista (filiado à CUT), Alexandre Jatczak Almeida, aprova a tecnologia de controle operacional implantada para monitorar os dutos. Mas diz que o ganho é desperdiçado pela falta de pessoal. "Há poucos operadores na área para tomar as medidas corretivas necessárias", diz Almeida, que atribui o problema à política de terceirização da empresa.



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