São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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COMPORTAMENTO

Elas agora freqüentam a cena underground, fogem de "mauricinhos" e adotam visual mais "descolado"

Patricinhas passam por transformação e evoluem

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA DA FOLHA

Tal como no desenho pokémon, a patricinha evoluiu. Mudou de figurino, de trilha sonora e até de par na balada. "Agora misturo calça de terninho com tênis, aprendi a gostar de música eletrônica de verdade, não a que toca nas FMs, e não suporto mais sair com playboyzinhos", diz Camila de Salles, 23.
Também mudou de habitat: anda frequentando clubes "underground". Camila dá a entrevista no Ampgalaxy, um clube que funciona no bairro paulistano de Pinheiros, no andar de baixo de uma grife de modernos.
A neopatricinha -ou camilinha, nome mais de acordo com essa geração- gosta de dizer que ampliou seus horizontes, perdeu os preconceitos e não freqüenta mais apenas um grupo, o dos endinheirados. "Hoje eu aceito muito mais as pessoas, sou uma simpatizante com a vida", resume a artista plástica Roberta Sobral, 26, dançando na pista do D-Edge, clube de música eletrônica da Barra Funda, bairro paulistano fora do eixo Jardins-Vila Olímpia.
O apego às grifes de luxo, dizem, é menor. "Aprendi a me sentir segura sem usar marcas, é quase uma psicanálise fashion", afirma a estilista Fernanda de Goeye, 27, que inaugurou com a amiga Paula Raia, 26, sua própria loja, a Raia de Goeye, depois de quatro anos trabalhando na Daslu, loja de grifes da alta sociedade paulistana.
Atualmente namorando o empresário do ramo da gastronomia Rogério Fasano, Fernanda recebe a Revista usando o que ela define como "uma roupa despretensiosa e confortável": short-sarongue curto de plush preto, camiseta de malha verde-musgo e sapato alto Gucci "velhérrimo".
Cansada da "massificação", ela diz que foge dos rótulos, das combinações óbvias e dos programas previsíveis. Na análise da própria Fernanda, "a patricinha está mais doida, mais livre, chutou o pau da barraca". "Ela não faz mais linha, não vai mais para a noite procurar marido, e sim para se divertir, por isso deixou de se policiar tanto."
Fernanda faz escola. "Fujo do rótulo Daslu: procuro tudo o que não tenha a cara da marca", diz a publicitária Roberta Tilkian, 22. Ela conta que "odiava" música eletrônica, até que um dia foi levada por um grupo de amigas para uma apresentação do DJ inglês Carl Cox em um galpão no Rio.
"Entrei bonitona, de sandália alta Armani, achando que fosse estalar o dedo e me trariam uma caipirinha. Era um galpão enorme, lotado, um calor dos infernos", conta. Depois de subornar o barman para que ele a abastecesse a noite inteira com água, ela relaxou: "Tirei minha sandália, dobrei a barra da calça e segui o "close your eyes and feel the music" (feche os olhos e sinta a música)".
No novo ambiente, a camilinha é facilmente reconhecível, dizem os iniciados na cena eletrônica, onde o ideal é fazer de conta que ninguém está nem aí para nada.
"Algumas ficam gritando em frente à cabine, como se estivessem em um show de rock, e o namorado assobia alto, no ritmo da música. Quem já frequenta a noite há muito tempo estranha tanta empolgação ou deslumbramento. Mas a pista tem que ser democrática", afirma o DJ Luiz Pareto, 43.
O curador de arte Ricardo Oliveros, 39, "20 de pista", diz que pensou até em escrever um manual de etiqueta da noite eletrônica. "Alguém deveria ensinar essas meninas a se portar na pista. Elas conversam, atendem celular, fumam e tomam uísque ao mesmo tempo, queimando e molhando quem está em volta."
Longe da antiga turma e querendo se jogar na noite eletrônica, a camilinha se sente um pouco órfã de tribo. "Para as patricinhas, a gente é esquisita; para o povo do "underground", a gente é patricinha", reconhece a empresária Helena Linhares, 26, que também abriu sua própria grife, a Pelu, diminutivo de peluqueria, ou cabeleireiro em espanhol.
Mas ela não reclama. Não pertencer a um grupo específico faz parte da política pelo "fim dos preconceitos" encampada pela patricinha-pokémon. Seu maior orgulho é justamente dizer que transita livremente por turmas que não se freqüentam, sinal de estilo próprio e independência, assim como a mistura de peças "anônimas" com grifes e de informações de várias tribos -gays, clubbers, bacaninhas e os nada-a-ver-com-os-outros.
Quanto mais avança no terreno da cena eletrônica, mais a camilinha se orgulha da própria façanha. Lívia Grimberg, 23, conta que era "completamente patizinha". Formada em economia, trabalhava de terninho escuro em uma corretora do mercado financeiro, gostava de dance music e freqüentava a bolsa de valores. Convidada a ir a uma rave, resistiu um pouco, mas gostou tanto que virou DJ: "O que eu mais gosto é dessa liberdade, cada um é o que quer, sem julgamentos pela aparência", diz a DJ.



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