São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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75% das idosas contraíram HIV dos maridos, diz pesquisa

Estudo foi feito no hospital Emílio Ribas, de São Paulo, com cem homens e mulheres com idade superior a 60 anos

Em geral, mulheres se casaram virgens; Luciene, 64, descobriu que tinha o HIV pouco antes de o marido morrer de Aids, em 1998

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Lúcia, 70, e Luciene, 64, são da época em que as mulheres tinham de se casar virgens e deviam obediência aos maridos. As duas seguiram a norma cultural da época à risca. Hoje viúvas, guardam dos homens com quem passaram a vida inteira uma dura lembrança. São portadoras do HIV, o vírus da Aids.
Uma pesquisa inédita com os cerca de cem idosos com HIV atendidos no hospital Emílio Ribas, de São Paulo, mostra que, entre as mulheres de mais de 60 anos, 75% foram infectadas pelos maridos. Entre os homens, 80% contraíram o vírus em relações fora do casamento.
O levantamento foi feito a partir dos relatos dos pacientes, entre os quais Lúcia e Luciene. Os nomes são fictícios. Elas falaram com a Folha com a condição de que seus nomes verdadeiros não fossem publicados. Temem o preconceito.
O Emílio Ribas faz parte da rede estadual e é referência nacional em doenças infecciosas.
O infectologista Jean Gorinchteyn, responsável pela pesquisa, diz que as pessoas têm, em geral, uma idéia equivocada sobre os idosos. "Eles, sim, fazem sexo", afirma. "É comum que a mulher perca a libido com a idade, que tenha a lubrificação vaginal diminuída. Mas o homem não sublima a sexualidade. É então que ele busca o sexo fora do casamento. Hoje há remédios para disfunção erétil. E, eventualmente, quando faz sexo com sua mulher, pode contaminá-la."
Recentemente, o Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) fez um levantamento entre as pacientes com HIV e mostrou que elas tiveram na vida, em média, dois parceiros sexuais. Não pesquisaram os homens. "As mulheres não cogitam usar camisinha porque se sentem protegidas no casamento", diz o infectologista Dirceu Greco, da UFMG.
Lúcia, por exemplo, diz que nunca teve contato com um preservativo. Luciene sim, para não engravidar, mas não guarda boas lembranças -na época, a camisinha era feita de material grosso e atrapalhava o sexo.
O marido de Luciene descobriu ter o HIV poucos dias antes de morrer, em 1998. Ela fez os exames em seguida. "Quando fiquei sabendo, foi um choque. Eu pensava que Aids era doença de gente jovem, de mulher promíscua. Aquilo não fazia sentido na minha cabeça. Além de tudo, nós éramos muito bem casados", conta ela, pedagoga aposentada.
Lúcia soube seu diagnóstico em 1999, quatro anos depois de o marido ter morrido. "Meu mundo desabou. Quase enlouqueci. Mas sabe de uma coisa? Não fiquei com raiva dele. Meu marido me ajudava em tudo na casa e até me carregava no colo. Que homem faz isso hoje?", diz Lúcia, secretária aposentada.
Esse tipo de reação, segundo o infectologista do Emílio Ribas, é comum. Enquanto o homem se sente culpado por ter contaminado a mulher, ela tende a perdoar o marido.
"Algumas não cogitam a hipótese de o marido ter mantido relações fora do casamento", afirma Gorinchteyn. "Há mulheres que acreditam que o marido se infectou por causa de transfusão de sangue em cirurgia de catarata. Essa cirurgia, como se sabe, não precisa de transfusão. A mulher mais velha guarda do homem uma visão de provedor, protetor."
Há faixas etárias em que a incidência da Aids está diminuindo. Entre os idosos, porém, está aumentando. Nos homens com mais de 60 anos, os novos casos subiram de 5,8 (por 100 mil habitantes) em 1996 para 9,4 em 2006. O índice entre as mulheres com mais de 60 subiu de 1,7 para 5,1.


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