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75% das idosas contraíram HIV dos maridos, diz pesquisa
Estudo foi feito no hospital Emílio Ribas, de São Paulo, com cem homens e mulheres com idade superior a 60 anos
Em geral, mulheres se casaram virgens; Luciene, 64, descobriu que tinha o HIV pouco antes de o marido morrer de Aids, em 1998
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Lúcia, 70, e Luciene, 64, são
da época em que as mulheres
tinham de se casar virgens e deviam obediência aos maridos.
As duas seguiram a norma cultural da época à risca. Hoje viúvas, guardam dos homens com
quem passaram a vida inteira
uma dura lembrança. São portadoras do HIV, o vírus da Aids.
Uma pesquisa inédita com os
cerca de cem idosos com HIV
atendidos no hospital Emílio
Ribas, de São Paulo, mostra
que, entre as mulheres de mais
de 60 anos, 75% foram infectadas pelos maridos. Entre os homens, 80% contraíram o vírus
em relações fora do casamento.
O levantamento foi feito a
partir dos relatos dos pacientes, entre os quais Lúcia e Luciene. Os nomes são fictícios.
Elas falaram com a Folha com
a condição de que seus nomes
verdadeiros não fossem publicados. Temem o preconceito.
O Emílio Ribas faz parte da
rede estadual e é referência nacional em doenças infecciosas.
O infectologista Jean Gorinchteyn, responsável pela
pesquisa, diz que as pessoas
têm, em geral, uma idéia equivocada sobre os idosos. "Eles,
sim, fazem sexo", afirma. "É comum que a mulher perca a libido com a idade, que tenha a lubrificação vaginal diminuída.
Mas o homem não sublima a
sexualidade. É então que ele
busca o sexo fora do casamento. Hoje há remédios para disfunção erétil. E, eventualmente, quando faz sexo com sua
mulher, pode contaminá-la."
Recentemente, o Hospital
das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas
Gerais) fez um levantamento
entre as pacientes com HIV e
mostrou que elas tiveram na vida, em média, dois parceiros
sexuais. Não pesquisaram os
homens. "As mulheres não cogitam usar camisinha porque
se sentem protegidas no casamento", diz o infectologista
Dirceu Greco, da UFMG.
Lúcia, por exemplo, diz que
nunca teve contato com um
preservativo. Luciene sim, para
não engravidar, mas não guarda boas lembranças -na época,
a camisinha era feita de material grosso e atrapalhava o sexo.
O marido de Luciene descobriu ter o HIV poucos dias antes de morrer, em 1998. Ela fez
os exames em seguida. "Quando fiquei sabendo, foi um choque. Eu pensava que Aids era
doença de gente jovem, de mulher promíscua. Aquilo não fazia sentido na minha cabeça.
Além de tudo, nós éramos muito bem casados", conta ela, pedagoga aposentada.
Lúcia soube seu diagnóstico
em 1999, quatro anos depois de
o marido ter morrido. "Meu
mundo desabou. Quase enlouqueci. Mas sabe de uma coisa?
Não fiquei com raiva dele. Meu
marido me ajudava em tudo na
casa e até me carregava no colo.
Que homem faz isso hoje?", diz
Lúcia, secretária aposentada.
Esse tipo de reação, segundo
o infectologista do Emílio Ribas, é comum. Enquanto o homem se sente culpado por ter
contaminado a mulher, ela tende a perdoar o marido.
"Algumas não cogitam a hipótese de o marido ter mantido
relações fora do casamento",
afirma Gorinchteyn. "Há mulheres que acreditam que o marido se infectou por causa de
transfusão de sangue em cirurgia de catarata. Essa cirurgia,
como se sabe, não precisa de
transfusão. A mulher mais velha guarda do homem uma visão de provedor, protetor."
Há faixas etárias em que a incidência da Aids está diminuindo. Entre os idosos, porém, está aumentando. Nos homens
com mais de 60 anos, os novos
casos subiram de 5,8 (por 100
mil habitantes) em 1996 para
9,4 em 2006. O índice entre as
mulheres com mais de 60 subiu de 1,7 para 5,1.
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