São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Mães e jovens aceitam os esquemas das agências

Empresas afirmam não cobrar dívida quando carreira da candidata não decola

Para o advogado trabalhista João Sady, o esquema de trabalho proposto pelas agências de modelos esbarra na questão ética

COLUNISTA DA FOLHA

O esquema de "adiantamentos" costuma ser aceito por todas as partes envolvidas no universo das modelos: empregadores, mães e adolescentes. As garotas pagam a dívida com o trabalho. Mas, de acordo com as agências ouvidas pela Folha, nada é cobrado se a menina fracassar profissionalmente (o que significa engordar, não agüentar a vida de modelo ou não conseguir trabalhos).
Quem "dá certo" pena no início da carreira, pois, quando consegue ganhar algum dinheiro, ele já está comprometido com débitos atrasados.
Karine Bortolim, 17, conta que depois de um ano de trabalho parou de ter tudo descontado e começou a ganhar. "Mas mesmo assim preferi voltar para estudar", diz.
Nascida em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, ela veio a São Paulo em uma excursão especial para futuros modelos (leia nesta página). Mas, depois de um ano e meio, desistiu da vida de modelo.
"Sou apegada à minha família, aos meus amigos, aquilo não era o que queria para mim." Karine, pelo menos, voltou para casa com algum dinheiro no bolso. Ela não achava legal ter o dinheiro descontado, mas sabe que as coisas "são assim". "A agência gastava comigo, isso era normal."
"São poucos os casos de meninas que não ficam em São Paulo. É um negócio e geralmente apostamos nas garotas certas", diz Jardel Turgante, da agência Way. Mas, quando dá errado, deixamos para lá. Não vamos mandar um boleto de cobrança para a menina que está no interior", garante.
Se ela quiser mudar de agência, de acordo com ele, a dívida será negociada com o próximo empregador.

Avaliação
A agência Ten, que também trabalha com adiantamentos para modelos new faces, avalia a carreira das meninas de seis em seis meses.
"Vemos como ela está indo. E, quando achamos que ela tem potencial, prorrogamos o prazo", diz Laura Vieira. Isso significa que uma modelo pode ser "bancada" pela agência pelo período de até um ano.
As modelos que não funcionam são mandadas de volta para casa depois de seis meses. Geralmente, sem nenhum tostão no bolso, mas a dívida não é cobrada. "É um risco, mas não cobramos, pois é um negócio onde lidamos com seres humanos", explica.
De acordo com ela, no caso de modelos "fashion" (as magricelas que fazem sucesso nas passarelas), a dívida pode demorar para ser paga, mas ser resolvida da noite para o dia.
"A Marcelle Bittar tinha uma dívida enorme com sua agência em Nova York e ficava preocupada, mas foi só fazer uma campanha com o Mario Testino que pôde pagar tudo e deslanchar."
Alexia Almeida, 15, sonha em ser como a top. Depois de participar de um concurso realizado pela Ford, foi contratada pela agência. Trocou Santos, onde morava com a mãe, por um apartamento da agência, que também paga a mensalidade da escola onde Alexia cursa o terceiro ano. Agora, se prepara para viajar para Nova York, com despesas também pagas.
Sua mãe, a corretora de imóveis Cristiane Almeida, 38, conta que essa é a única maneira de a filha realizar seu sonho.
"Ela está indo bem. Eu não teria condições de bancar o sonho dela. O que acho chato é ter que deixá-la ir para Nova York só com o booker, mas realmente não tenho condições de pagar uma viagem dessas", diz.
A estudante Eugenia Hoffman, 15, está preparada para seguir o mesmo caminho. Sabe que terá seus primeiros salários descontados para custear sua vida em São Paulo, mas não se importa. "Eu vou, sim. Tenho que arriscar."
Ela pretende largar a escola e deixar de ajudar os pais a cuidar do sítio onde mora. "Ainda não vamos conversar, não está nada resolvido ainda", diz Beatriz, mãe de Eugenia. Mas, ao pegar o telefone, do sítio da família, para falar com a Folha, Eugenia é decidida: "Eu vou, sim. Já combinei com eles. Vou parar de estudar", diz a moça, trazida para São Paulo por um olheiro, que a encontrou trabalhando como balconista na cidade de Roque Gonzales (RS).
De acordo com o advogado trabalhista João Sady, o esquema de trabalho proposto pelas agências de modelos esbarra na ética. "Não é correto que o funcionário de uma empresa, mesmo que tenha débito com o empregador, não ganhe nada. A dívida nunca pode ser maior que o seu salário", explica.
Isso, porém, não incomoda as futuras modelos. "Sei que vão descontar e concordei", diz a estudante Eugenia, categórica aos 15 anos. (NINA LEMOS)


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