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Mães e jovens aceitam os esquemas das agências
Empresas afirmam não cobrar dívida
quando carreira da candidata não decola
Para o advogado trabalhista João Sady, o esquema de trabalho proposto pelas agências de
modelos esbarra na questão ética
COLUNISTA DA FOLHA
O esquema de "adiantamentos" costuma ser aceito por todas as partes envolvidas no universo das modelos: empregadores, mães e adolescentes. As garotas pagam a dívida com o trabalho. Mas, de acordo com as
agências ouvidas pela Folha,
nada é cobrado se a menina fracassar profissionalmente (o
que significa engordar, não
agüentar a vida de modelo ou
não conseguir trabalhos).
Quem "dá certo" pena no início da carreira, pois, quando
consegue ganhar algum dinheiro, ele já está comprometido
com débitos atrasados.
Karine Bortolim, 17, conta
que depois de um ano de trabalho parou de ter tudo descontado e começou a ganhar. "Mas
mesmo assim preferi voltar para estudar", diz.
Nascida em Passo Fundo, no
Rio Grande do Sul, ela veio a
São Paulo em uma excursão especial para futuros modelos
(leia nesta página). Mas, depois
de um ano e meio, desistiu da
vida de modelo.
"Sou apegada à minha família, aos meus amigos, aquilo
não era o que queria para
mim." Karine, pelo menos, voltou para casa com algum dinheiro no bolso. Ela não achava
legal ter o dinheiro descontado,
mas sabe que as coisas "são assim". "A agência gastava comigo, isso era normal."
"São poucos os casos de meninas que não ficam em São
Paulo. É um negócio e geralmente apostamos nas garotas
certas", diz Jardel Turgante, da
agência Way. Mas, quando dá
errado, deixamos para lá. Não
vamos mandar um boleto de
cobrança para a menina que está no interior", garante.
Se ela quiser mudar de agência, de acordo com ele, a dívida
será negociada com o próximo
empregador.
Avaliação
A agência Ten, que também
trabalha com adiantamentos
para modelos new faces, avalia
a carreira das meninas de seis
em seis meses.
"Vemos como ela está indo.
E, quando achamos que ela tem
potencial, prorrogamos o prazo", diz Laura Vieira. Isso significa que uma modelo pode ser
"bancada" pela agência pelo período de até um ano.
As modelos que não funcionam são mandadas de volta para casa depois de seis meses.
Geralmente, sem nenhum tostão no bolso, mas a dívida não é
cobrada. "É um risco, mas não
cobramos, pois é um negócio
onde lidamos com seres humanos", explica.
De acordo com ela, no caso de
modelos "fashion" (as magricelas que fazem sucesso nas passarelas), a dívida pode demorar
para ser paga, mas ser resolvida
da noite para o dia.
"A Marcelle Bittar tinha uma
dívida enorme com sua agência
em Nova York e ficava preocupada, mas foi só fazer uma campanha com o Mario Testino que
pôde pagar tudo e deslanchar."
Alexia Almeida, 15, sonha em
ser como a top. Depois de participar de um concurso realizado
pela Ford, foi contratada pela
agência. Trocou Santos, onde
morava com a mãe, por um
apartamento da agência, que
também paga a mensalidade da
escola onde Alexia cursa o terceiro ano. Agora, se prepara para viajar para Nova York, com
despesas também pagas.
Sua mãe, a corretora de imóveis Cristiane Almeida, 38, conta que essa é a única maneira de
a filha realizar seu sonho.
"Ela está indo bem. Eu não
teria condições de bancar o sonho dela. O que acho chato é ter
que deixá-la ir para Nova York
só com o booker, mas realmente não tenho condições de pagar uma viagem dessas", diz.
A estudante Eugenia Hoffman, 15, está preparada para
seguir o mesmo caminho. Sabe
que terá seus primeiros salários
descontados para custear sua
vida em São Paulo, mas não se
importa. "Eu vou, sim. Tenho
que arriscar."
Ela pretende largar a escola e
deixar de ajudar os pais a cuidar
do sítio onde mora. "Ainda não
vamos conversar, não está nada
resolvido ainda", diz Beatriz,
mãe de Eugenia. Mas, ao pegar
o telefone, do sítio da família,
para falar com a Folha, Eugenia é decidida: "Eu vou, sim. Já
combinei com eles. Vou parar
de estudar", diz a moça, trazida
para São Paulo por um olheiro,
que a encontrou trabalhando
como balconista na cidade de
Roque Gonzales (RS).
De acordo com o advogado
trabalhista João Sady, o esquema de trabalho proposto pelas
agências de modelos esbarra na
ética. "Não é correto que o funcionário de uma empresa, mesmo que tenha débito com o empregador, não ganhe nada. A dívida nunca pode ser maior que
o seu salário", explica.
Isso, porém, não incomoda
as futuras modelos. "Sei que
vão descontar e concordei", diz
a estudante Eugenia, categórica aos 15 anos.
(NINA LEMOS)
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