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"Ciência" vira argumento de antiabortistas
Popularização da ultra-sonografia em pré-natal e melhor definição das imagens ajudaram a elevar o status "humano" do feto
Invenção das pílulas anticoncepcionais e do dia seguinte também tornaram aborto dispensável em milhões de casos
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Há um mês, em uma reunião
de mulheres com atuação em
movimentos populares de São
Paulo, surgiu a pergunta: vocês
são favoráveis ou contrárias à
flexibilização da legislação a
respeito do aborto? "Contra",
respondeu a maioria.
"Com tanto método contraceptivo à mão, precisa ser muito folgada para chegar ao ponto
de ter de decidir entre fazer um
aborto ou não", disse uma. "No
caso de a menina não se ter precavido de jeito nenhum, ainda
tem o recurso à pílula do dia seguinte, né?", emendou outra.
"Sabe, eu acho que não dá para
legalizar o relaxo e punir o feto", afirmou uma terceira.
Argumentos como esses passam longe da pregação católica
(que condena todos os métodos
contraceptivos, à exceção da tabelinha e da abstinência sexual), mas acabam por engrossar o caldo das opiniões contrárias à legalização do aborto.
No domingo passado, a Folha divulgou pesquisa Datafolha mostrando que a maioria
dos brasileiros (65% dos entrevistados) são favoráveis a que a
legislação sobre aborto continue como está -só permitindo
a interrupção da gestação em
caso de estupro e risco de morte para a mãe. O índice é o
maior desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1993.
Soou o alarme nas organizações feministas. A coisa ficou
séria porque o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, defendeu a realização de um plebiscito sobre o tema. Se realizado hoje, o plebiscito resultaria
na manutenção da lei atual.
Segundo a socióloga Maria
Betânia Avila, da organização
feminista SOS Corpo, o resultado do Datafolha é expressão do
massacre ideológico promovido pela turma antiaborto:
"A novela "Páginas da Vida",
que acabou há um mês, fez com
que os piores vilões aparecessem defendendo que a mocinha
da trama fizesse um aborto. Todos os personagens decentes
eram contrários. Foi um panfleto antiaborto na TV recordista de audiência", diz.
Outra hipótese levantada para explicar o aumento da fatia
antiaborto da população tem,
por paradoxal que pareça, a ver
com avanços científicos e com a
forma como eles se fixam nos
corações e mentes da população. A invenção das pílulas anticoncepcionais e do dia seguinte, por exemplo, deram às
mulheres instrumentos para
que em boa medida possam
controlar o tamanho da prole.
Na prática, tornaram dispensável -em milhões de casos- o
recurso ao aborto.
Segundo o Instituto Alan
Guttmacher, entre 1991 e 1996,
caiu de 37 para 27 o número de
abortos realizados por grupo de
1000 mulheres brasileiras. No
mundo todo, pelos mesmos
motivos, despencou a incidência de abortos induzidos.
"Despenca mas não acaba,
porque o problema é que nenhum método contraceptivo é
100% eficaz", diz Tania Di Giacomo do Lago, 52, da coordenação de saúde da Mulher da Secretaria da Saúde de São Paulo.
Logotipo
Outro avanço importante da
ciência -este mais simbólico-
é representado pelos exames
de imagem da gestação. Nos
anos 1970, quando a maioria
dos países europeus e os EUA
reformaram suas leis, descriminalizando o aborto, inexistia
a ultra-sonografia na rotina dos
pré-natais. A melhoria na definição das imagens ajudou a elevar o status "humano" do feto e
ainda deu de graça aos antiabortistas uma logomarca.
Por fim, os avanços que já
permitem sustentar a vida de
bebês prematuros de até 22 semanas de gestação, têm colocado para os partidários da legalização do aborto o desafio de definir até que ponto da gravidez
é moral interrompê-la.
Jacira Melo, do Instituto Patrícia Galvão, acha que o movimento de mulheres precisa
apresentar suas respostas a essa nova ordem de questões
"científicas". Ela lembra, por
exemplo, que, em Portugal, que
realizou em fevereiro um plebiscito sobre o aborto, a pergunta feita aos eleitores era se
concordavam com a despenalização da interrupção da gravidez, com a ressalva de que fosse
realizada nas primeiras 10 semanas. E ganhou o "sim".
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