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GUERRA URBANA
O medo
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A noite e a madrugada de sábado para domingo foram de alerta
máximo, medo e uma tensão infernal nas delegacias, postos e bases policiais de São Paulo. Ao
ponto de ter sido quase um alívio
quando, às 19h40 do sábado, duas
motocicletas entraram na avenida
Silvio Ribeiro Aragão, no Campo
Limpo, e os caronas de repente
sacaram as pistolas calibre .40 e 9
mm e dispararam 40 tiros contra
a base comunitária da GCM
(Guarda Civil Metropolitana),
atingindo a mão direita do soldado Valdemar Lopes Ferreira, 50:
"Um raio não cai duas vezes no
mesmo local", disse um soldado.
Caiu -às 6h, em uma nova rajada de balas, desta vez sem vítimas.
"O Valdemar corre o risco de
perder os movimentos de dois dedos, mas é melhor isso do que
morrer. Só o que eu espero é que
chegue logo 6 horas, quando vamos embora", afirmou um soldado, olhos arregalados, abrigado
atrás do vidro à prova de balas da
base. Esses guardas não queriam
combate. Passivos, nem os revólveres calibres 38 eles tiraram das
cartucheiras. "Não dá tempo de
revidar, é um ataque rápido demais", disse um agente.
O insufilme preto fazia de cada
carro uma ameaça e um suspense.
Todos os 14 olhos dos agentes que
passaram a noite na base escaneavam cada máquina que passava,
movimentos coordenados. "A
gente era caçador, agora é presa
fácil", afirma o guarda.
Na porta do 47º Distrito Policial,
o do Capão Redondo, área conhecida pelos altos índices de violência, o clima era de guerra. Rostos
cobertos por balaclavas, pistolas
nas mãos e uma calibre 12 (arma
de matar elefante) para qualquer
eventualidade, os 16 agentes não
esperavam os ataques.
A estrada de Itapecerica, onde
fica a delegacia, teve as pistas estreitadas por obstáculos. Vestidos com coletes à prova de balas, os
policiais paravam
-com gritos e armas
apontadas- as motos
que se aproximavam.
Surpresas
Atrás do muro que
cerca a delegacia, o titular José Ribamar Raposo, 45, levantou o gorro para falar
com a reportagem. "Em 2003, pegaram a gente de surpresa. Agora
isso não vai acontecer." De madrugada, no entanto, apesar de
todos os cuidados, quatro homens a bordo de um Santana metralharam o DP. Ninguém se feriu, porém 11 carros ficaram esburacados de tiros.
Enquanto os policiais esperavam pelo pior na porta da delegacia, lá dentro, como se nada estivesse acontecendo, três boletins
de ocorrência eram lavrados: um
por roubo a coletivo, outro por
roubo de veículo e até um por perda de documentos.
"Medo? Por que medo? Esses
caras do PCC não estão errando o
alvo, não. Com eles não tem essa
de bala perdida. Pode ver, é só polícia que eles estão "pegando'", explicou um auxiliar de escritório
que comprava flores e um quadro
escrito "Te Amo, Mamãe", às
3h40 do domingo, em uma banca
bem ao lado da base comunitária
da PM no Jardim Ranieri, uma
das subdivisões do Jardim Ângela, o mesmo que no fim dos anos
90 aparecia no topo da estatística
de homicídios no país. Vizinho à
base, acontecia um baile na frente
da panificadora A Francesinha,
que funciona 24 horas por dia.
A periferia da cidade não tem
medo da guerra do PCC. Se os três
policiais (dois homens e uma mulher) presentes na base comunitária de Guarapiranga estavam fincados em pé em seus postos, dois
"três oitão" e uma "doze" em alerta, a casa de espetáculos Guarapirão, vizinha, bombava com 800
foliões chacoalhando com a banda Fettynia, Carlos e Marcel, além
das Mocréias e sua trupe.
No meio da madrugada, os jovens desfilavam a bebedeira diante da aflição solitária dos PMs. A
"doze", pesadona com seus 4,5
quilos, agora ia das mãos de um
soldado para a do outro a cada
meia hora. "Não dá para um só
carregar esse bichão." Dois garotos "folgados", conforme definiria um PM, chegaram a acender
um cigarro de maconha bem na
frente da base.
Até atender a um pedido de socorro ficou difícil. Os soldados da
Guarapiranga já estavam informados de que seus colegas do vizinho Jardim Herculano tinham
sido emboscados ao atender a
uma ocorrência de agressão entre
familiares. "Fomos em cinco viaturas, com 11 homens. Entramos
numa viela e eles começaram a
atirar. A gente revidou e eles correram para a favela. Graças a Deus
ninguém foi atingido", explicou o
sargento Rogério Luís Bartholomeu, 28, PM há 10 anos.
União
As rivalidades entre as corporações ficaram pequenas diante do
desafio colocado pelo PCC. "Estamos mais unidos do que nunca.
Viramos um corpo só. Agora, tudo depende do comandante, da
Justiça e do Ministério Público",
diz um policial civil. "Chamou,
vai todo mundo."
No velório dos policiais civis
atingidos pela violência do PCC
(investigador José Antônio Prada
Martinez, agente policial Paulo
José da Silva, investigador Tamer
Ramos Orlando), ontem, na Academia da Polícia Civil, ao lado do
campus da Universidade de São
Paulo, a revolta dos policiais militares e civis aparecia discretamente, proibidos que estavam os homens de dar entrevistas.
Com a condição de não ser
identificados, eles desabafavam:
"Infelizmente, a gente tem uma
lei para respeitar, eles [os membros do PCC] não têm nenhuma.
Eles invadem sem mandado, portam as armas que querem. A gente tem de se contentar com as porcarias obsoletas que o Estado fornece e autoriza", afirmou um policial militar armado apenas com
um "três oitão".
"Armamento? Veja, a gente que
é bem equipada [refere-se aos policiais da Delegacia de Narcóticos]
tem metralhadora, essa Taurus
.40. Eles têm fuzil, dão tiro de rajada com um AR-15 ou um AK-47
[armas de guerra com alta potência perfurante e precisão], têm
lança-granada. A gente tinha de
ter fuzil também. A gente tinha de
estar em vantagem. A gente não
pode perder; a gente não pode
empatar; a gente tem de ganhar
de goleada. Senão é o caos."
Terrorismo
"Antigamente, existia uma ética. Família de policial era coisa sagrada até para o bandido. Acabou
a ética e virou terrorismo."
"O policial brasileiro tem garra.
Pede para um americano entrar
em uma favela. Ele não entra.
Quer ir com 50 junto. Este colete à
prova de balas, por exemplo. Custa R$ 4.000 e fui eu que comprei. É
israelense. Agüenta tiro frontal de
fuzil. Os comuns, que a polícia recebe, só seguram tiro de armas de
mão. Não dá para combater."
"Faltam o Judiciário e o Ministério Público. Não se consegue escuta telefônica, mandado de busca e apreensão. A segurança depende também da Justiça e do Ministério Público."
"Não estamos respondendo. Agora seria hora de
ter mandados de prisão, de
busca e apreensão de todos
os suspeitos. Isso seria uma
resposta. E não ficarmos
aqui parados, esperando o
próximo ataque."
Com os olhos marejados
de lágrimas, policiais experientes -que trabalharam
ou trabalham em áreas
"quentes" da capital paulista-
lastimavam: "É muito triste ver o
velório de um companheiro.
Olhar o caixão, o cara ali, as flores,
as homenagens dos companheiros. E a família na penúria, o salário miserável", afirmou um durão, que já fez curso na lendária
equipe da Swat de Miami.
As lágrimas escorreram forte
quando ele viu a viúva despojando-se do cobertorzinho pequeno
e fino, que a protegia do frio de
12C da noite paulistana, para
abrigar a filha de 12 anos que acabava de chegar à morgue na Academia de Polícia. "E agora, como
elas vão ficar? É triste demais."
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