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PASQUALE CIPRO NETO
"O modo com que a polícia agiu..."
Bem que Chico Buarque disse, em 72, que "Deus é um cara gozador, adora brincadeira"
etc. Modificada pela censura para
"nasci batuqueiro", a estrofe original dessa canção terminava
com "nasci brasileiro". Ao cantar
essa música em Salvador, num
memorável encontro com Chico,
de que se produziu o antológico
disco "Chico e Caetano", Caetano
Veloso simplesmente silenciou
depois de "nasci". Na mesma letra, Chico diz que "Deus me deu
perna comprida (...) pra correr
atrás de bola e fugir da polícia".
Também é de Chico, sob os
pseudônimos de Leonel Paiva e
Julinho da Adelaide, a memorável "Acorda Amor" ("Chame o ladrão! Chame o ladrão!").
Perdoe-me, caro leitor, se toco
em assunto que aparentemente
não diz respeito à coluna, mas,
como o que vou comentar foi tirado de uma das tantas matérias
que vi a respeito do assassinato de
minha colega Geísa Firmo Gonçalves, no Rio de Janeiro, não resisti à tentação de dizer que, diferentemente do que muitos pensam, é a vida que imita a arte,
não é a arte que imita a vida.
Como dizia Chico, em outra antológica canção ("Feijoada Completa"), "Ponha os pratos no chão,
que o chão está posto". O chão
brasileiro, a miséria brasileira, a
pequenez d"alma brasileira.
Vamos tratar da vida, que, no
nosso caso, significa tratar da língua. Que tal a expressão "O modo
com que a polícia agiu", ouvida
em uma das tantas matérias sobre o sequestro da última segunda-feira? Sabemos que no padrão
culto da língua é desejável o domínio do emprego da preposição
com o pronome relativo. Não se
assuste com a terminologia. São
casos como "Os fatos a que me refiro", "Os países em que estive",
"A escola por que optei", "As teses
de que duvido" etc.
O assunto é frequente em concursos públicos e em vestibulares
de ponta. Diferentemente do que
ocorre no padrão culto, na língua
do dia-a-dia é comum a omissão
pura e simples da preposição nesses casos. Frases como "A rua que
eu moro", "A comida que eu mais
gosto", "A escola que eu optei"
exemplificam a questão.
"Morar" rege a preposição "em"
("A rua em que moro"); "gostar"
rege "de" ("A comida de que mais
gosto"); "optar" rege "por" ("A escola por que optei").
A construção "O modo com que
a polícia agiu" é no mínimo intrigante. Dizemos tranquilamente
que alguém age com rigor, com
rispidez, com calma, com energia.
Nada nos impede, pois, de dizer
"O rigor com que ele age", "A rispidez com que ele age", "A calma
com que ele age" e "A energia
com que ele age".
O problema é que, quando usamos a própria palavra "modo",
não costumamos dizer que alguém age com determinado modo, mas de determinado modo, o
que talvez justifique a estranheza
diante da construção "o modo
com que ele age".
O que fazer? Que termo se usa
quando se pergunta de que modo
alguém age? O termo é "como"
("Como agiu a polícia?"; "Como
ele age nessas situações?").
Alguns autores registram a
ocorrência na língua culta do "como" como elemento relacional
que estabelece a idéia de modo.
Parece, pois, que são indiscutíveis
construções como "O modo como
a polícia agiu", "O modo como
ele bate na bola", "O modo como
ele me recebeu" etc. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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