São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Rejeitada 2 vezes, menina fica com casal gay

Depois de adotar criança em nome de um dos parceiros, dois homens voltam à Justiça para registrá-la com dois pais

Assistente social diz que os 3 sofreriam mais preconceito porque, além de serem gays, a menina é negra; eles vêem "tranqüilidade" na adoção

DA REPORTAGEM LOCAL

N., 5, fixa os olhos escuros em um dos dois pais que hoje são sua família. "Acho que ainda não caiu a ficha dela", diz o vendedor N.C., 43, que respira fundo antes de começar a narrar a odisséia pessoal, que sabe de cor, para adotar uma criança com o bancário F.M, 43, com quem vive há 14 anos.
Até que N. chegasse, miúda e quieta, no dia 9 de fevereiro do ano passado, muita coisa aconteceu na vida dos três. Rejeitada pela mãe biológica, e três anos depois pela adotiva -que a devolveu ao orfanato ao gerar um filho-, era menina de pouco falar, o olhar sempre baixo.
Hoje ela brinca com o laptop, sentada na cama enfeitada de bichos em seu quarto cor-de-rosa, vestida também de rosa, com a mochila rosa arrumada para ir à escola. "Tentamos evitar, mas não adianta, ela quer rosa, então nós damos rosa."
"Quando a gente procurou [na comarca], colocamos assim: independentemente de cor ou de qualquer coisa, queremos uma criança". N. é negra. Também por isso, os três fazem terapia de família com o psicólogo. "A assistente social até alertou que nós sofreríamos o preconceito homossexual junto com o de cor, mas tem sido tranqüilo", diz N.C.
Mas a batalha está pela metade. Com medo de ter o pedido negado, a adoção foi feita somente no nome de F.M. Só depois de tê-la aceita, com a certidão de guarda na mão, é que ambos fizeram um novo pedido no nome dos dois há pouco mais de dois meses.
Foi preciso muita insistência para que a adoção se concretizasse. O começo foi em 2005, quando F.M. procurou a Comarca de Porto Alegre em busca de uma filha. Percebeu que a longa fila levaria muito tempo e partiu para outras comarcas do interior do Estado. Achou N. em São Lourenço (RS).
Em outubro do ano passado N. teve sua festa de aniversário, com direito a bolo na escola. Claro, as crianças são curiosas, mas N.C. diz que "é bem tranqüilo" -as professoras criaram até o slogan "família diferente", para explicar que nem toda família tem papai, mamãe e filhinho, todos da mesma cor.
N.C. parou de trabalhar para cuidar de N., que faz balé e inglês. Às sextas vão para o sítio. Verdade que o Dia das Mães exigiu paciência. "Imagina um bando de mulher e só tu de homem? Mas por ela a gente encara", diz N.C.. "A gente não inventa história", diz o pai, tranqüilo. "Quando chegar a hora e a idade certa, abrimos o jogo."

Curitiba
O preconceito também não preocupa o possível primeiro casal gay a adotar em Curitiba. Após três anos, o professor Toni Reis, 43, e o tradutor David Harrad, 50, juntos há 18 anos, foram habilitados a adotar um menino e uma menina.
Questionados se a criação dos filhos numa família de dois pais seria diferente, dizem em coro que "não". "Colocaremos na escola, participaremos do colégio, jogaremos bola [ou não]. Vamos assistir àqueles filmes infantis... e tudo mais."
A ansiedade é grande. Por isso eles viajaram na sexta, de férias -esperam, sejam "as últimas férias sem as crianças".


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