|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Justiça gaúcha facilita adoção por casais gays
"Fechamos um consenso na jurisprudência daqui", afirma o juiz da 2ª Vara da Infância de Porto Alegre, José Daltoé Cezar
Em ao menos três casos de união homoafetiva, juizado concede custódia em nome dos dois parceiros, e casais já pedem adoções conjuntas
Guilherme Pupo/Folha Imagem
| Casal gay habilitado para adotar |
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
C.T., 42, não escondia de ninguém que vivia com outra mulher havia quatro anos, mas
quando chegou sozinha ao Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre para adotar
uma criança, ouviu da psicóloga: "Por que tua companheira
não veio?". Ela não sabia que a
adoção conjunta é possível no
Brasil. "Fiquei surpresa e contente", diz, ao ver na certidão de
adoção de, V.M.T, 5, os sobrenomes das duas mães.
V. é um dos três casos registrados de adoção homoafetiva
conjunta no Rio Grande do Sul
e ilustra o "consenso" formado
na Justiça gaúcha sobre a adoção por casais gays com união
estável. Sempre que atender às
exigências sócio-econômicas e
psicológicas comuns aos heterossexuais, o pedido será aceito
-desde que em nome dos dois.
"Fechamos um consenso na
jurisprudência daqui, já é uma
página virada", afirma o juiz da
2ª Vara da Infância de Porto
Alegre, José Daltoé Cezar.
"Já dei dois pareceres favoráveis e continuarei dando sempre que o casal preencher os requisitos do juizado", diz a promotora da 2ª Vara, Flávia Mallmann. Além dos três casos no
RS, há no mínimo um casal habilitado e dois pedidos em avaliação em Porto Alegre.
Mas a mudança é paulatina.
"As pessoas que têm união homoafetiva, quando chegam ao
juizado para se habilitarem negam [que são um casal], por
medo de ter a adoção recusada", explica Ana Luiza Castro,
psicóloga da 1ª Vara de Porto
Alegre. "Só se descobre que é
um casal no decorrer das entrevistas." Assim o registro saía no
nome de um só; o que não vai
mais acontecer. "Se percebo
que é um casal, só aprovo se for
no nome dos dois", diz Daltoé.
Por que a adoção "era feita
pela metade", diz a desembargadora do Tribunal de Justiça
do RS, Maria Berenice Dias. "O
outro não tinha obrigação com
a criança e ela não tinha direito
em relação a ele. Morria o adotante, a criança ficava órfã."
Com apenas oito dias de vida,
João Gabriel, possivelmente
Soares de Matos na próxima
quarta-feira, não terá de passar
por uma situação dessas. Marluza Soares, 38, e Vanesse de
Matos, 24, pediram em conjunto a adoção do menino e devem
ser as próximas mães a registrarem juntas uma criança.
"Ele vai ser muito aceito aqui"
diz Soares, sem medo de preconceito, mesmo morando em
Boa Vista do Ramos, cidade de
13 mil habitantes no interior do
Amazonas.
Aceitação é palavra corrente
quando se trata de adoção por
homossexuais, diz a desembargadora do Tribunal de Justiça
do RS, Maria Berenice Dias.
"Como eles [os homossexuais]
são alvo de muitos preconceitos e discriminação, não discriminam na hora de adotar."
Dias tem estudado tanto as
adoções gays que pretende sair
do TJ e abrir um escritório de
advocacia especializado em direito homoafetivo.
Situação recente
Mas a adoção homoafetiva
conjunta, além de recente e polêmica, é pouco difundida no
Brasil. Desde o primeiro caso
relatado no país, em Bagé, em
2005, há cerca de dez casos
concluídos ou em fase final de
adoção, segundo levantamento
feito pela Folha com informações obtidas nos juizados.
São no mínimo três casos finalizados no RS, um em SP, um
no DF e um no Acre, fora casais
em vias de conseguir a adoção
-um no AM, RS, SP e PR.
Mas no Brasil ainda não há
dados oficiais. O Cadastro Nacional de Adoção (CNA), lançado em abril pelo Conselho Nacional de Justiça, só conclui os
trabalhos em dezembro e pode
facilitar o acesso aos gays.
Cristiana Cordeiro, juíza da
2ª Vara da Infância do Rio e
membro do conselho gestor do
CNA, diz que o sistema "não
vetará" casais gays. "Embora
em Sergipe eu ter citado isso e
os juízes terem ficado de cabelo
em pé, o sistema aceita pretendentes do mesmo sexo", diz.
O promotor Cláudio Moraes,
do TJ de São José do Rio Preto
(SP), é um exemplo de que o
consenso gaúcho não reflete a
situação nacional. "Acho que
uma adoção por homossexuais
vai colocar a criança numa situação constrangedora", diz,
pois a criança sofreria "opressão" da sociedade. "Alguns dizem que eu sou hipócrita, hipócrita é quem não vive isso."
O vendedor N.C., 43, e o bancário F.M., 43, dizem ter sofrido preconceito. Em São Luiz
Gonzaga (RS), o pedido de N.C.
foi negado, "depois que a visita
para ver a menina já tinha sido
marcada", diz ele, que diz estar
processando o assistente social. Ele e o companheiro acharam N., 5, em 2006. Após meses de entrevista e adaptação, a
sentença foi favorável, em
2007, no nome de F.M. "Mas
eu também quero que ela tenha
o meu nome", diz N.C. "Será
minha única filha, tem coisas
que ela vai precisar do meu nome no futuro."
Texto Anterior: Rodrigo Laborne Mattioli: Breve mergulho na filosofia do mineiro Próximo Texto: Rejeitada 2 vezes, menina fica com casal gay Índice
|