São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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AMBIENTE

Para a ANP, agência federal responsável pela fiscalização do setor petrolífero, empresa não é próxima a casas e tem licenças

Irregularidades da Shell "somem" em vistoria

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Afastada de área residencial, com alvará de funcionamento expedido pela prefeitura e licença de operação emitida pelo órgão ambiental responsável. É esse o retrato que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) tem da base de estocagem de combustíveis da Shell na Vila Carioca (zona sul de SP). A realidade, entretanto, é outra.
O local, um terreno de cerca de 180 mil m2 onde estão 36 tanques de combustível, opera de forma irregular -sem licença municipal para funcionar- desde 1985, é vizinho muro-a-muro com pelo menos uma dezena de casas e tem uma licença ambiental que diz respeito apenas a uma área administrativa, já desativada, que incluía restaurante, quadras e um pátio de carros.
A diferença entre a Shell real e a que consta dos registros da ANP -agência federal responsável pela regulação e pela fiscalização das atividades da indústria petrolífera- se torna ainda mais grave quando é levado em conta que a área em questão é o cenário da maior contaminação ambiental registrada até o momento no município de São Paulo.
O subsolo e as águas subterrâneas da base de combustíveis e das ruas residenciais a ela adjacentes estão contaminados por pesticidas (drins) e hidrocarbonetos tóxicos, conforme indicaram relatório da CSD-Geoclock (empresa contratada pela própria Shell para avaliar o local) e testes feitos pela Vigilância Sanitária do Estado em poços profundos.

Ação civil
O caso é alvo de uma ação civil pública, e 2.500 moradores estão sendo cadastrados pelos órgãos de saúde, a fim de determinar a que tipo de tratamento e acompanhamento médico eles devem ser submetidos.
Em relatório enviado, a pedidos, para a CPI dos Postos de Combustíveis da Câmara Municipal, no dia 7 deste mês, o diretor técnico da ANP, Luiz Augusto Horta Nogueira, informa, porém, que está tudo bem.
"Salientamos que, após as referidas inspeções, não foram reportadas, até a presente data, anormalidades no que se refere à operação de tais instalações", afirma o documento.
Na avaliação do presidente da CPI, vereador Jooji Hato (PMDB), e do advogado que representa a Associação dos Amigos Reviva Vila Carioca (formada depois que a contaminação veio à tona), Paulo Brasil, as incorreções colocam em xeque a eficiência do controle que a agência deveria exercer.
"Agora temos de descobrir o porquê desses erros, se foram intencionais ou não. Por isso vamos convocar a Shell, a ANP e a empresa que fez a vistoria para dar explicações", afirmou Hato.
Das três incorreções verificadas, pelo menos duas advêm de informações prestadas pela Shell: as duas licenças foram apresentadas pela empresa. O alvará municipal seria de 91, segundo o laudo; e a licença ambiental, de 2000.

Prazo vencido
A Administração Regional do Ipiranga, em documento também entregue à CPI dos Postos de Combustíveis, reitera, entretanto, uma informação que a própria Shell já confirmou: a empresa teve uma licença que expirou em 85 e nunca mais foi renovada.
A prefeitura chegou a multar a Shell por isso e conseguiu interditar a base por cerca de dez horas -a empresa conseguiu uma liminar na Justiça e reabriu o local.
Já a licença ambiental que consta do relatório de vistoria é de uma área administrativa, segundo João Antonio Romano, gerente da Cetesb (agência ambiental estadual) para a bacia do Alto Tietê (que engloba a Vila Carioca).
A proximidade com residências, por outro lado, é uma questão de mera observação. Há décadas, todas as casas de um dos lados da rua Colorado são coladas à Shell: o muro é o mesmo.
Segundo a Shell, os erros devem ter sido da inspeção, a BBL - Bureau de Serviços S/C. Procurados durante três dias pela Folha na última semana, nem ANP nem BBL quiseram se manifestar.

Inspeção
A inspeção da ANP foi realizada em outubro de 2000, em todo o país, com o objetivo de traçar um panorama da legalidade e da qualidade de operação das bases de estocagem de combustíveis ou "fazer um diagnóstico de conformidade das instalações quanto à proteção ambiental, à segurança industrial e das populações", segundo a portaria nš 104 de 2000, que regulamentou a atividade.
São avaliadas a documentação das bases, suas instalações, os manuais, os procedimentos, os registros e o pessoal. Para cada item é atribuída uma pontuação, somada quando ele é desrespeitado.
Caso a soma dos pontos seja igual ou superior a 350, a empresa é caracterizada como de risco iminente, passa por uma nova vistoria e recebe um prazo para se adequar, sob pena de multas que podem variar de R$ 20 mil a R$ 1 milhão e até mesmo cassação do registro na ANP e interdição da instalação, dependendo do tipo de problema e da sua gravidade.
Na inspeção de 2000, a Shell obteve "nota" 68. Se as incorreções que constam do relatório não existissem, a soma iria para 108.


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