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DANUZA LEÃO
Nada é em vão
Mas um dia se percebe, com algum sofrimento, que por mais linda que seja a cidade, o coração já não bate tão forte
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TODA VIAGEM pode ser a última,
por isso todas têm um significado enorme.
Paris está cada vez mais linda: as
mulheres e os homens bonitos e elegantes, os lugares cheios, um ar de
prosperidade geral que ajuda muito
a ser feliz. Os primeiros dias são para
desligar; os seguintes, para curtir.
Curtir, passear, comer muito bem
e beber vinho, numa felicidade de
dar gosto.
Mas as coisas não são simples, e
depois de um tempo a vida de um turista fica complicada. Existem os
que enfrentam filas imensas para
ver as exposições, os que compram o
Pariscope para saber tudo o que está
acontecendo na cidade, e até os que
vão aos shows de mulher nua -é,
tem de tudo.
Há os que sempre voltam aos museus, mas só os que são especial e
profundamente ligados em arte,
pois para isso é preciso muita disciplina: afinal, ninguém sai de férias
com uma agenda, e bom mesmo é
estar numa cidade bonita e conviver
com ela com naturalidade e intimidade. E aí, o que se faz o dia inteiro?
Compras, claro, mas até isso cansa.
É muito bom acordar sem precisar pular correndo da cama, e passar
uma boa hora pensando, muito vagamente, onde almoçar; ou não seria
melhor comer um crepe em pé, na
rua, como fazia quando era jovem e
pobre? E como é verão, tomar sorvete andando pelo cais -ah, é muito
bom estar em Paris.
Mas um dia se percebe, com algum sofrimento, que por mais linda
que seja a cidade, por mais que os
restaurantes ofereçam as melhores
opções -de ostras e ouriços ao melhor steak tartare com as melhores
fritas do mundo-, o coração já não
bate tão forte. As lojas ainda atraem,
mas com muito menos intensidade.
Estará blasé ou seria um sinal de depressão? Afinal, não é possível estar
em Paris e não ser imensamente feliz, e é terminantemente proibido
dizer que se pensa na casa, nos amigos, nos gatos, até no trabalho: ninguém ia acreditar.
Só que nem todos têm o dom do
ócio e do lazer, e as manhãs vão ficando cada vez mais longas -na cama- e os telefonemas para casa,
mais freqüentes.
Aí um dia ela decide antecipar a
volta em dois dias, mas não conta a
ninguém, com medo das cobranças.
Afinal, como explicar que estava em
Paris e não era totalmente feliz?
Volta, e quando vê a baía de Guanabara, sente uma emoção que não
sentiu nem uma única vez, no
Champs Elisées. E depois de ter vivido num quarto tão charmoso quanto pequeno, acha a casa um verdadeiro palácio.
Passa dois dias pedindo comida
dos restaurantes, e acaba saindo para fazer um supermercado básico. E
aí, numa esquina, ela entende.
Era uma esquina normal, onde
havia uma banquinha de frutas:
caixas de cajus, os mais lindos e coloridos cajus, enormes, indo do amarelo ao vermelho numa sutileza e
num bom gosto de dar inveja a qualquer pintor de qualquer museu.
Também havia mangas, mangas
amarelas e rosadas, frescas e cheirosas, e abacaxis, sendo que um deles
aberto, amarelinho, para que o freguês pudesse provar e ver como estavam docinhos.
E pensa uma grande banalidade:
que, apesar de tudo, não é em vão
que se nasce num país.
danuza.leao@uol.com.br
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