São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002

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"Batida pode desencadear reação violenta"

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O carro deixou de ser um simples meio de transporte e se transformou em uma propriedade territorial, um símbolo de status e poder que desencadeia em seus donos um sentimento de superioridade e de onipotência. Essa é a opinião de psicólogos e psiquiatras ouvidos pela Folha.
Para alguns motoristas, segundo esses profissionais, uma batida pode significar um ultraje pessoal, capaz de desencadear reações violentas que vão de um xingamento a uma situação extrema como a que resultou na morte da menina Tainá.
"A pessoa sente como se o carro fizesse parte do seu corpo. Uma batida tem o mesmo significado de uma lesão corporal, e ela age como se fosse em legítima defesa", afirma o psiquiatra José Carlos Zepellini.
Ana Bahia Bock, presidente do Conselho Regional de Psicologia (SP), diz que o carro potencializa a violência porque o condutor se sente protegido, como se estivesse em uma armadura, pronto para guerrear.
Para a diretora do serviço de psicologia do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) de São Paulo, Zulnara Port Brasil, o trânsito reflete a violência da sociedade. Segundo ela, muitos motoristas estão com os "nervos à flor da pele" e só precisam de um motivo para desencadear um processo de fúria.
"Elas perdem a noção de qualquer senso de equilíbrio e dificilmente admitem a culpa", diz. O caminho, afirma Zulnara, é não revidar, não alimentar ainda mais esse desequilíbrio.
Especialistas americanos já consideram a fúria no trânsito -"road rage", em inglês- um distúrbio psíquico e pedem que ele passe a constar no manual de doenças mentais da Sociedade Americana de Psiquiatria.
Para Ana Bock, a "cura" dessa doença passa pela tomada de consciência de que a rua é um espaço coletivo e não privado.
"As pessoas ainda estão embaladas com a canção "Se essa rua fosse minha". A rua é de todos e precisamos conviver com essas regras", afirma Ana.
Para Zulnara Port Brasil, é preciso redefinir o conceito de bom motorista. "Não basta saber manobrar a máquina. É preciso ter senso de humanidade."
O psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Amban (Ambulatório de Ansiedade) do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que há algumas pessoas com maior predisposição genética à irritabilidade, que não conseguem controlar seus impulsos agressivos.
O problema poderia estar na quantidade de receptores de serotonina, neurotransmissor que regula o impulso e a irritabilidade, entre outras funções.
Ele diz que isso poderia explicar os diferentes tipos de reações em pessoas expostas a situações de estresse semelhantes.


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