|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Batida pode desencadear reação violenta"
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
O carro deixou de ser um simples meio de transporte e se
transformou em uma propriedade territorial, um símbolo de
status e poder que desencadeia
em seus donos um sentimento
de superioridade e de onipotência. Essa é a opinião de psicólogos e psiquiatras ouvidos pela
Folha.
Para alguns motoristas, segundo esses profissionais, uma
batida pode significar um ultraje pessoal, capaz de desencadear
reações violentas que vão de um
xingamento a uma situação extrema como a que resultou na
morte da menina Tainá.
"A pessoa sente como se o carro fizesse parte do seu corpo.
Uma batida tem o mesmo significado de uma lesão corporal, e
ela age como se fosse em legítima defesa", afirma o psiquiatra
José Carlos Zepellini.
Ana Bahia Bock, presidente
do Conselho Regional de Psicologia (SP), diz que o carro potencializa a violência porque o
condutor se sente protegido, como se estivesse em uma armadura, pronto para guerrear.
Para a diretora do serviço de
psicologia do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) de
São Paulo, Zulnara Port Brasil, o
trânsito reflete a violência da sociedade. Segundo ela, muitos
motoristas estão com os "nervos à flor da pele" e só precisam
de um motivo para desencadear
um processo de fúria.
"Elas perdem a noção de qualquer senso de equilíbrio e dificilmente admitem a culpa", diz.
O caminho, afirma Zulnara, é
não revidar, não alimentar ainda mais esse desequilíbrio.
Especialistas americanos já
consideram a fúria no trânsito
-"road rage", em inglês- um
distúrbio psíquico e pedem que
ele passe a constar no manual de
doenças mentais da Sociedade
Americana de Psiquiatria.
Para Ana Bock, a "cura" dessa
doença passa pela tomada de
consciência de que a rua é um
espaço coletivo e não privado.
"As pessoas ainda estão embaladas com a canção "Se essa
rua fosse minha". A rua é de todos e precisamos conviver com
essas regras", afirma Ana.
Para Zulnara Port Brasil, é
preciso redefinir o conceito de
bom motorista. "Não basta saber manobrar a máquina. É preciso ter senso de humanidade."
O psiquiatra Márcio Bernik,
coordenador do Amban (Ambulatório de Ansiedade) do
Hospital das Clínicas de São
Paulo, afirma que há algumas
pessoas com maior predisposição genética à irritabilidade, que
não conseguem controlar seus
impulsos agressivos.
O problema poderia estar na
quantidade de receptores de serotonina, neurotransmissor que
regula o impulso e a irritabilidade, entre outras funções.
Ele diz que isso poderia explicar os diferentes tipos de reações em pessoas expostas a situações de estresse semelhantes.
Texto Anterior: Violência: Baleado em briga de trânsito tem arma Próximo Texto: Sequestro acaba em morte de refém e de criminoso após 23 horas na BA Índice
|