São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Fortaleza" quilombola recebe registro em cartório do Estado

Após feito inédito em São Paulo, grupo do Vale do Ribeira perderá isolamento no fim do mês

Ponte, que vai ligar os quilombos a estradas, pode também ajudar na perda de identidade, afirmam moradores


EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A ELDORADO (SP)

A vida no Quilombo de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, em São Paulo, era muito mais difícil em outros tempos avisa Benedito Alves da Silva, 55, o Ditão.
A luta que acabou encorpada nos anos 80 começa cada vez mais a dar frutos. O registro do quilombo no cartório de imóveis de Eldorado, cidade mais próxima, saiu. Luta que durava 14 anos.
O fim do isolamento geográfico está muito perto de ocorrer. No fim do mês, a tão sonhada ponte que liga o quilombo ao outro lado do rio Ribeira de Iguape, a estradas e cidades, será oficialmente inaugurada.
De um lado, será mais fácil escoar a produção de banana, principal fonte de renda das cem famílias que vivem no quilombo. Mas, de outro, pessoas estranhas à comunidade, formada por 400 "compadres", podem aparecer com mais frequência.
"Não somos contra a tecnologia, o desenvolvimento. Mas um dos nossos desafios é manter a comunidade assim. Todos se conhecem. As decisões são coletivas", diz José Rodrigues da Silva, um dos líderes do quilombo.
Liderança que o levou a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de Eldorado.
Ditão, que acaba de voltar da lida no bananal, também é um líder nato. Articulado, costuma representar a comunidade em reuniões em Brasília. Fala fácil de política e das necessidades do povo.
"Nós precisamos de uma política para os quilombos. De técnicos, por exemplo, que ajudem a aumentar a produção", diz Ditão.
Nascido e criado nas terras ocupadas por seus antepassados, que chegaram lá no século 17 fugidos do garimpo de ouro, o quilombola tem ainda forte na memória os tempos mais difíceis.
"Nos anos 1970, época do regime militar, para cortar qualquer coisa, era um problema. Você poderia ir preso, apanhar", diz Ditão.
Ele decidiu deixar o quilombo. Trabalhou na construção de estradas, como a rodovia dos Bandeirantes. "Voltava para dar um dinheiro ao meu pai. Produzir era complicado por causa das restrições", afirma.

SEM RISCOS
Tanto a vida melhorou, seja com o registro das terras que praticamente zera o risco de invasão, seja com as leis que garantem espaço suficiente para a produção, que os jovens de Ivaporunduva saem para estudar. Mas sempre acabam voltando.
"A vida aqui é tranquila. Todos se conhecem. É muito bom", diz Laudessandro Marinho da Silva, 26 anos, administrador de empresas formado em Itatiba (SP).
Ele é um dos diretores da associação. Outros jovens, também educados formalmente, seguiram o mesmo caminho. E voltaram.


Texto Anterior: Antônio Carlos Grimaldi (1936 - 2010): Colonizador do oeste do Brasil
Próximo Texto: Guerrilheiro é idolatrado na comunidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.