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FÁBULA URBANA
Obra do Passa Rápido faz usuários de ônibus ironizar martírio enfrentado por motoristas
"A tartaruga está vencendo a lebre"
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Aí, otário, fica aí no seu carrão
que eu, no meu bumbão, vou
chegar uma hora antes pro abraço da patroa." A zombaria lançada pelo office-boy Odair Gomes
Carneiro, 23, contra o mar de
carros que rastejavam na Rebouças às 17h15, no sentido centro-bairro, traduz o sentimento
de grande parte dos usuários de
ônibus que trafegavam na mesma hora pela avenida.
"Pela primeira vez, o transporte público está tendo tratamento
preferencial em relação aos carros", disse a religiosa Carmelice
Zottis, 44, comemorando o fato
de que em meia hora vencera a
distância do centro até sua casa,
no Jardim Bonfiglioli. Antes, ela
não fazia o percurso em menos
de uma hora e quinze minutos.
A avaliação é repetida pelo mecânico Afonso Pelegrino, 42. Entusiasmado com a novidade, Pelegrino prevê: "O trânsito vai
melhorar porque quem só andava de carro vai perceber as vantagens do transporte coletivo e
deixar o carro em casa".
No refeitório do prédio do
Unibanco que fica na avenida
Eusébio Matoso, foi essa a conversa que a publicitária Viviane
Machado, 26, escutou durante o
almoço. "Um monte de gente falou em vir trabalhar de ônibus. É
que teve alguns colegas que
aproveitaram o rodízio para testar o novo corredor de ônibus.
Ficaram tão satisfeitos que prometem vir trabalhar sem carro."
A reportagem da Folha fez o
teste: de ônibus, o trajeto que separa o Hospital das Clínicas do
Shopping Eldorado (3.370 metros) foi percorrido em cinco minutos cravados, entre as 16h45 e
as 16h50. Um carro que saiu no
mesmo horário só chegou ao
shopping às 17h15.
"A tartaruga está vencendo a
lebre", comentou a professora
de português Regina Soares da
Silva, ao ouvir a cronometragem
da corrida do ônibus contra o
carro. Referia-se à fábula do
francês Jean de la Fontaine
(1621-1695), que conta como a
persistência da tartaruga venceu
a arrogância do coelho numa
competição de velocidade.
Mas a bronca dos motoristas
não é menos combativa. Na esquina da Pedroso de Moraes
com a Rebouças, a reportagem
da Folha pediu carona a Sergio
Alves Coelho, 36, mecânico e
motorista do Fusca verde, placa
DAL 3852. Objetivo: checar o
trânsito no túnel que passa sob a
avenida Faria Lima, às 18h15. Estava ótimo -em três minutos,
emergia-se do outro lado da
obra. Mas, para Coelho, a coisa
estava péssima: "Foi sorte. Isso
aqui [a cidade] está uma confusão e não vai melhorar. É congestionamento o tempo todo,
uma palhaçada. Pega o túnel de
volta ao centro e você vai ver."
A reportagem foi. Às 18h30,
num táxi, tentava transpor os
quase 1.163 metros do túnel no
sentido contrário. Coelho tinha
razão. Congestionado até a paralisia, o túnel ainda tinha as turbinas de ventilação inertes. Resultado: calor de 30C dentro do
buraco (contra os 27C no exterior) e tempo de viagem igual a
40 minutos. Enquanto isso, os
ônibus, proibidos de andar dentro do túnel em que ninguém
anda, deslocavam-se lá em cima,
sem saber do sofrimento da turma que suava dentro dos carros.
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