São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

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WALTER CENEVIVA

Partidos partem ou repartem


A partidocracia brasileira saltita sem partidos objetivamente definidos ou subjetivamente marcados


AS DECLARAÇÕES E TENDÊNCIAS de nossos políticos vêm dominando as mídias nacionais, orbitando ao redor do Senado. Apesar disso, tanto quanto me foi dado perceber, a sociedade se interessou menos pela novela "Renan" que pelas novelas de verdade, sinceramente ficcionais na televisão.
"Renan" foi novela, em parte, porque faltam normas da Constituição e das leis que, sem restringirem a liberdade política, proíbam, por exemplo, mudanças indiscriminadas de partidos, sem limites temporais entre elas e sem maior conteúdo ético. Renan, que parecia odiado no governo Collor, surgiu protegido pelo PT e pelo PMDB. A partidocracia brasileira saltita sem partidos objetivamente definidos ou subjetivamente marcados, salvo pela infidelidade interna e externa.
O desinteresse da cidadania leva-a a ignorar ou a não recordar que "a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos", resguardados certos limites, é livre aos olhos da lei (art. 17 da Carta Magna).
O artigo 58, tratando de comissões do Congresso e de suas casas, garante, no parágrafo 1º, "tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares". São protegidos no artigo 62, pois não podem ter sua vida regulada por medidas provisórias.
É boa, mas inútil na prática, a norma que considera os partidos parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Raramente percorrem caminho diverso daquele em que predomina o interesse político. Até a propositura de ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade é aberta ao partido político com representação no Congresso (art. 103), mas é comum o sacrifício de interesses gerais por opções que incluem a troca de vantagens.
Em matéria tributária, os partidos são muito favorecidos. O artigo 150 proíbe cobrar ou instituir impostos sobre seu patrimônio, serviços e rendas, inclusive de suas fundações, sem falar no "direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei".
A Constituição exige deles, em contrapartida, a observação (artigo 17) de preceitos como o caráter nacional, a prestação de contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar de acordo com a lei. Eles têm autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, mesmo para escolha e regime de suas coligações eleitorais.
A lei permite que seus estatutos estabeleçam normas de disciplina e fidelidade partidária. Esta última é uma quase ficção. Há na Carta, mas sem sucesso na prática -o que talvez seja mudado, com a atitude mais firme que o TSE vem adotando.
Nossos políticos parecem não compreender que favorecimentos especiais e trocas de obséquios não explicáveis sacrificam a nobreza da representação do povo, atribuída ao partido. As conveniências políticas mostram sua preponderância quando são premiadas, em vez de serem condenadas, ações que preservem a dignidade do Legislativo. A regra da prática política -ressalvadas as boas exceções- geralmente aceita a máxima de quem parte ou reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte. As alternativas das últimas semanas sugerem a necessidade rápida da mudança.


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