São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

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Sopa é forma de atrair pais à escola, diz secretário

Segundo Januário Montone, da Saúde, intenção do programa não é nutricional

Prefeitura não se importou em reduzir quantidade de carne e verdura também para aumentar os concorrentes na licitação

ALENCAR IZIDORO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo diz que não se importou em reduzir de forma drástica a quantidade de carne e verdura na sopa que será distribuída nas unidades de educação aos sábados porque a intenção de seu "programa de alimentação" "não é nutricional", mas atrair alunos e pais ao ambiente escolar. Outro motivo, segundo Januário Montone, ex-secretário de Gestão e hoje da Saúde, era aumentar os concorrentes numa licitação de R$ 40 milhões. Conforme publicou a Folha nesta semana, a prefeitura rebaixou a qualidade da sopa após uma solicitação feita pela Nestlé em consulta pública.
A previsão era que 100 kg de uma das sopas tivessem, por exemplo, 7 kg de carne -com a mudança, serão só 0,5 kg. O TCM (Tribunal de Contas do Município) viu brechas para direcionamento e suspendeu na última quarta um pregão que faria a compra do produto -para que fosse entregue hoje. Cada família vai receber 2 kg com porções de sopa, suficientes para 60 pratos, às vésperas da temporada de calor. Montone afirma que ela pode ter outras finalidades. "Eu uso a de cebola para fazer patê", diz.
O secretário insiste que a premissa do programa é atrair famílias com um produto encontrado nos supermercados. Mas, se era essa a intenção, não deveria constar já da proposta original do edital, sem depender de pedido da Nestlé? "Deveria, mas edital foi feito para ser aperfeiçoado", diz Montone. Leia a entrevista:

 

FOLHA - Por que distribuir sopa se ela, segundo nutricionistas, não faz parte do cardápio do brasileiro, além de ser um período de calor?
JANUÁRIO MONTONE
- O programa foi criado para atrair as famílias ao ambiente escolar. Houve um compromisso de que o valor que não foi gasto pela prefeitura na crise da entrega do leite -ficamos dois meses sem fornecer- seria aproveitado em programas de alimentação para as famílias. Era de suplementação para as famílias, para oferecer algo que elas encontram no supermercado. Vai usar como sopa, como tempero. Eu uso sopa de cebola para fazer patê. Não é um programa de nutrição, é de suplementação alimentar. Foi considerado um produto versátil, de fácil uso, dentro das regras de desejo do consumidor médio.

FOLHA - Mas não é inadequado?
MONTONE
- É um programa de alimentação suplementar que tem o objetivo de atrair as famílias, e atrai as famílias com as coisas que estão no dia-a-dia das famílias. Achamos razoável aceitar que fosse a sopa de mercado. Uma empresa sugeriu que fosse a mesma formulação da sopa da merenda, que só tem três produtores no Brasil. E não aceitamos a proposta da Nestlé de aceitar o sabor feijão, e ela é a maior fabricante desse produto no país. Aceitamos a sugestão que estava de acordo com o objeto do programa, que é o de fornecer mais uma atração para as famílias.

FOLHA - Por que a composição só foi definida após consulta pública? As nutricionistas da prefeitura não sabiam como é a sopa do mercado?
MONTONE
- Foi feito o primeiro edital para a consulta pública. Você faz o edital, até pela pressa de fazer, e ele é aperfeiçoado no processo de discussão.

FOLHA - O foco é atrair as famílias com um produto de mercado. A premissa não deveria estar no edital?
MONTONE
- Deveria, mas ele foi feito para ser aperfeiçoado.

FOLHA - Esse dinheiro não poderia ser gasto com alimentos mais nutritivos?
MONTONE
- Está sendo muito bem gasto no projeto de atrair os pais. É um investimento excepcionalmente bem gasto, fantasticamente bem feito.

FOLHA - E do ponto de vista nutricional?
MONTONE
- Não é um programa de alimentação, é de atração das famílias.

FOLHA - Não poderia ser um sabonete ou sabão em pó?
MONTONE
- Ou sopa, e acho um investimento fantástico você trazer famílias.

FOLHA - Mas não faz parte do cardápio, especialmente de famílias de baixa renda, dizem nutricionistas.
MONTONE
- Falaram por quê?

FOLHA - O sr. acha que as pessoas se sentirão atraídas às escolas?
MONTONE
- Teremos outras atividades. É um certo preconceito achar que as 770 mil famílias da rede são de baixa renda.

FOLHA - Normalmente essa faixa de renda busca programas sociais.
MONTONE
- Se não forem no final de semana, receberão a sopa normalmente na escola durante a semana.

FOLHA - O TCM suspendeu o pregão na quarta porque a entrega da sopa teria que ser feita três dias depois. Ele considerou que só uma empresa que tivesse a estrutura pronta poderia atender a exigência.
MONTONE
- Essa discussão do prazo foi mantida no edital porque vinha da consulta pública. Isso seria corrigido no processo do pregão, mas não foi [a data da entrega]. O pregão não era para entregar todo lote no primeiro dia. Qualquer dos grandes produtores do mercado teria capacidade de entrega, mas esse prazo era mesmo exíguo. Se eu fosse favorecer alguém, não faria a consulta pública. Por que eu faria a consulta?

FOLHA - Porque a legislação prevê.
MONTONE
- É um decreto desta gestão, assinado pelo prefeito Kassab, é um instrumento de transparência que pouca gente tem a determinação de fazer. E esta gestão fez. Poderia até dar um jeitinho de não fazer, é um decreto... Se houvesse intenção [de direcionamento] haveria mil formas de fazer.

FOLHA - O edital vai mudar?
MONTONE
- O pregão vai continuar. Não deve haver modificação, além do prazo e do rótulo.


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