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Polícia violou sigilos por dez anos a pedido da Petrobras
Milhares de sigilos criminais foram quebrados em SP e entregues à empresa
Investigação aponta ilegalidade; envolvidos dizem em depoimentos que havia "parceria" da estatal com a polícia
ANDRÉ CARAMANTE
ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO
A pedido da Petrobras, a
Polícia Civil paulista quebrou o sigilo criminal de milhares de pessoas que tentaram emprego na estatal ou
em suas subsidiárias durante
um período de pelo menos
dez anos, de 2000 e 2009.
Em relatório ao qual à Folha teve acesso, a Corregedoria da Polícia Civil diz que a
prática, chamada de "ilegal"
pelo órgão, atingiu 4.000
pessoas por mês no período,
em média.
Segundo a investigação,
só de janeiro de 2008 a julho
de 2009, a Divisão de Capturas passou à Petrobras fichas
criminais de 70.499 pessoas.
A conclusão do delegado
José Ferreira Boucinha Neto,
da Corregedoria, é a seguinte: as pessoas "tiveram sua
vida pregressa devassada de
forma irregular e ilegal de
modo a atender única e exclusivamente aos interesses
empresarias da Petrobras".
Funcionários da estatal
negam ter havido pagamento em troca de dados. Mas dizem que a Petrobras ajudava
a Divisão de Capturas doando material de escritório.
Houve ainda doação de
passagens aéreas "para a remoção de presos" dentro do
país, segundo depoimentos.
A investigação agora tenta
descobrir se essas passagens
foram usadas realmente no
serviço policial -a apuração
corre em inquérito separado.
AMEAÇAS
Foram os próprios policiais da Divisão de Capturas
que denunciaram a "parceria", em meados de 2009.
Eles disseram sofrer ameaças de transferência caso não
fizessem as pesquisas.
Cinco integrantes da Divisão de Capturas foram ouvidos pela Corregedoria a fim
de "justificar a quantidade
de pesquisas efetuadas em
suas senhas individuais".
A Divisão de Capturas é
um órgão da Polícia Civil subordinado ao Dird (Departamento de Investigação e Registros Diversos), responsável pelo gerenciamento dos
dados da polícia paulista.
A chefe do setor de meios
da Divisão, Mara Elisa Pinheiro, admite que recebia
pedidos da estatal federal e
os distribuía para pesquisa.
Quando um nome consultado tinha problemas com a
polícia ou a Justiça, sua "capivara", como é conhecida a
ficha criminal popularmente, ou DVC (ficha na Divisão
de Vigilância e Capturas) era
impressa e entregue aos funcionários da Petrobras.
Essa prática, segundo o
próprio relatório, fere os artigos 202 da Lei de Execuções
Penais e o 748 do Código Penal. Em resumo, a legislação
diz que os dados criminais sigilosos de uma pessoa só podem ser acessados por policiais (em favor do serviço) ou
pela Justiça, em processos
envolvendo o interessado.
"Foi comprovado que há
mais de dez anos essa prática
ocorria numa suposta parceria entre a Divisão de Capturas e a Petrobras, sem que
houvesse para tanto qualquer respaldo legal", escreveu o delegado Neto.
A investigação da Corregedoria está agora na Promotoria de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital,
do Ministério Público Estadual. O inquérito policial tem
sete volumes (1.465 páginas).
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