São Paulo, segunda-feira, 15 de novembro de 2004

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POLÍTICA ANTIDROGAS

Mudança passa a considerar o consumo como um problema de saúde pública, e não mais policial

Governo quer criar local para uso de drogas

LUCIANA CONSTANTINO
IURI DANTAS

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de uma série de divergências internas sobre a questão das drogas, o governo federal prepara um realinhamento da política nacional que trata do assunto definindo o consumo como um problema de saúde pública, e não policial, como acontece hoje.
Haverá ainda um decreto presidencial criando regras para o atendimento a dependentes, com ênfase em redução de danos, conforme revelou ontem "O Globo".
A mudança representa uma guinada na forma como o governo vê a questão. Se até hoje as autoridades priorizavam a redução da demanda, ou seja, acreditavam que campanhas de prevenção poderiam eliminar o consumo, a idéia agora é reduzir o dano à saúde desses consumidores. Desde 2003, as equipes dos ministérios da Saúde e da Justiça pressionavam a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) a dar mais atenção aos usuários em vez de campanhas de repressão ao consumo.
O novo foco será evidenciado com a mudança de nome da política. Passa de "Política Nacional Antidrogas" para "Política Nacional sobre Drogas". "Mudar o nome é simbólico, haverá mudança de orientação. O país está amadurecendo ao aceitar uma postura mais pragmática", diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador de Saúde Mental. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Jorge Armando Félix, também dá seu aval. "Os dependentes são problema de saúde pública, devem ser tratados como pessoas com qualquer outro tipo de doença, particularmente da área de psiquiatria, precisam de acompanhamento e atendimento."
Sob essa nova ótica, um decreto do presidente Lula vai regulamentar a área de redução de danos, possibilitando a ampliação da uma rede de atendimento a usuários e a criação de locais de uso seguro. Antes de abrirem as portas, esses locais vão precisar de autorização do Ministério da Saúde e contarão com avaliação permanente. Preferencialmente, os ambientes serão monitorados por universidades e destinados a usuários de maior risco, como o uso de cocaína injetável e crack.
O decreto vai conceituar o papel do agente redutor de danos, um profissional de saúde que será responsável pelo contato direto com o usuário. É ele, por exemplo, que vai fornecer seringas esterilizadas e fazer o acompanhamento do quadro do dependente. Hoje, organizações não-governamentais, com o apoio da pasta da Saúde, já desenvolvem programas de redução de danos, mas esbarram em limitações ou proibições do Judiciário, pois não há regulamentação desse tipo de trabalho. Para atender à demanda, há, segundo Delgado, 80 Caps-Ad (Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas) funcionando. O número é insuficiente e a expansão está travada pelas restrições orçamentárias do governo. A meta para 2005 é chegar a 250 unidades. Depois de muita controvérsia e seis fóruns em diferentes Estados, o governo fará dia 24 um fórum nacional para finalizar a nova política. Estão envolvidas as pastas de Saúde, Educação, Justiça, Direitos Humanos e a Senad. A ênfase será na redução de danos e demanda.
Segundo o secretário nacional Antidrogas, general Paulo Roberto Uchôa, o governo decidiu centrar esforços no combate ao narcotráfico, deixando ao usuário o atendimento médico. "A droga é uma coisa inerte. Não combato penicilina nem merthiolate. Agora, combato o tráfico. A droga tenho que conhecer, para poder educar e preparar a sociedade e a juventude para não fazer uso indevido da droga."
Para Delgado, após um ano e 11 meses de discussão, o governo chegou a um consenso. "Droga é uma questão polêmica. Arestas sempre vão existir. É importante tirar um vetor comum, um rumo. Os três ministérios estão afinados", diz o coordenador.


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