São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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INCLUSÃO SOCIAL

Projeto da prefeitura conseguiu adesão de moradores, que tinham criado associação para combatê-lo

SP vai atender catador e seu melhor amigo

EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

"Resgatar a auto-estima" é uma expressão que está em moda em determinada parte da Barra Funda, bairro da zona oeste de São Paulo, próximo ao centro. Esse gosto idiomático começou a se difundir no começo deste ano, quando a prefeitura decidiu utilizar uma antiga oficina municipal de reparo de veículos para dar assistência à população de rua.
No começo, a iniciativa sofreu resistência dos moradores e de quem investia na região, mas hoje os oponentes se transformaram em aliados, pois passaram a ver na proposta uma forma de melhorar as condições do local.
O Projeto Oficina Boracea pretende ser uma unidade de referência na reinserção social da população de rua (cerca de 8.700 vivem nas ruas da capital).
"O projeto rompe com a idéia de que a população de rua deva ser tratada precariamente", diz a secretária municipal da Assistência Social, Aldaíza Sposati. "O que está por trás é a filosofia de dignidade humana e o conceito de sutileza no trato", complementa.
Nesse contexto de dignidade e sutileza, o Boracea vai permitir, por exemplo, que os moradores de rua sejam atendidos conjuntamente com seus cães. "Eles não ficam longe de seus animais. Pode faltar comida para o dono, mas não para o cão", explica o padre Antonio Carlos Reami, 53, diretor do Abrigo Dom Bosco, entidade mantida por religiosos salesianos, pioneira em aceitar catadores com seus carrinhos e seus animais (ver texto ao lado).
O projeto ocupa 17.700 m2 (2,5 campos oficiais de futebol) e deve atender cerca de mil pessoas por dia quando estiver completamente pronto. Vai oferecer banheiros individuais, com espelho, para incentivar a auto-estima. Os leitos são concebidos para preservar a intimidade das pessoas. Haverá guarda-volumes, posto de emissão de documentos, posto bancário e central de internet.
Os moradores de rua terão acesso a oficinas que vão ensinar aproveitamento de material reciclável, restauração de móveis, costura, feitura de pequenos reparos domésticos (encanamento, eletricidade). Haverá cursos de alfabetização e leitura. Os abrigados terão também cinema e teatro.
A primeira parte do projeto, que vai atender 90 catadores com carrinho, deve ser inaugurada em março. O Boracea terá um custo de R$ 20,2 milhões, computando o funcionamento por cinco anos -60% a ser financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), 40% vêm da prefeitura, do governo federal e de parceiros da iniciativa privada.
O projeto faz parte do programa de reabilitação do centro, que prevê investimentos de R$ 614 milhões, 40% deles voltados a iniciativas diretas contra vulnerabilidades sociais e de inclusão social.

Resistência e adesão
"Devemos resgatar a auto-estima deles, mas sem perder a nossa", diz Jaime de Melo Costa Filho, 52, da Associação Defenda a Barra Funda, criada para combater o Boracea. Eles temiam que o projeto degradasse a área. Hoje a entidade é parceira da iniciativa.
A aceitação do projeto se deu após uma série de negociações com a prefeitura. Os moradores pediram que a entrada do Boracea fosse feita em um local que diminuísse a circulação de pessoas de rua pela região. Dentro da área do projeto, vai haver uma base da Polícia Militar e um centro comunitário dos moradores do bairro.
"É, paradoxalmente, uma forma de melhorar a região. Vai possibilitar a retirada das pessoas das ruas e permitir que o Estado faça um trabalho com elas", diz Sergio Segall, 46, diretor da Klabin Segall Empreendimentos, que está construindo quatro torres na Barra Funda (400 apartamentos).
"Em um primeiro momento, foi anunciado um albergue com sopão. Isso causou uma grande confusão. A prefeitura foi obrigada a conversar e a ceder. Hoje, o governo municipal tem o compromisso de transformar aquilo em um projeto-modelo", diz Segall.
A assessoria da Secretaria da Assistência Social diz que o projeto sempre teve a ambição de ser algo maior. De qualquer maneira, a Klabin Segall se transformou em uma parceira do projeto.
"Se 100% for realizado, vou ter orgulho de dizer que moro perto do projeto", diz o presidente da Defenda a Barra Funda.


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