São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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Ter confiança é essencial para atendido

DA REDAÇÃO

O Projeto Oficina Boracea procura aplicar conjuntamente uma série de experiências com moradores de rua já postas em prática em outras partes do mundo. Mas uma das fontes de inspiração está bem próxima dele. Trata-se do Abrigo Dom Bosco, mantido pelo Liceu Coração de Jesus, nos Campos Elíseos (centro).
A entidade recebe os catadores, os seus carrinhos e os seus animais. No abrigo, eles têm armários para guardar seus pertences, possuem banheiro individual e podem usar a cozinha.
A entidade é pioneira em aceitar os carrinhos dos catadores e também seus animais. Ela também trabalha com a idéia de aumentar a auto-estima.
"O trabalho deles é importante do ponto de vista da reciclagem. O lixo é muito rico. Eles precisam ter consciência da própria importância", diz Regina Lopes de Oliveira, 36, assistente social da instituição.
O Dom Bosco é algo distante da imagem repressora e despersonalizada dos abrigos.
"Este é um lugar em que eles podem confiar", diz o padre Antonio Carlos Reami, diretor da entidade, que funciona desde fevereiro de 2001 e acolhe até 55 pessoas -na sua grande maioria homens e um ou outro casal.
O catador João Carlos da Silva, 56, vivia na rua porque não queria se separar de suas duas cadelas, Bigui e Princesa. "Para elas não deixo faltar nada", diz.
Silva foi trabalhador da construção civil. Hoje fatura de R$ 10 a R$ 15 por dia como catador. Ele não vê sua família, que mora em Botucatu (SP), desde 1990 e diz que não sente falta dela. "Aqui são todos irmãos. Um serve o outro."
O catador Silva está no abrigo desde a fundação. O período de permanência mais comum é de uma semana a cinco meses, tempo em que muitos deles procuram reconstruir suas vidas e arranjar um lugar para morar, como um barraco.
Arrumar um quarto para morar e depois voltar para a Bahia é a ambição de Dorival Gomes de Sá, 37. Até recentemente, como não tinha um carrinho, ele recolhia pouca coisa. Ganhava de R$ 5 a R$ 6 por dia. Conseguiu economizar R$ 40 e pôde comprar o veículo de trabalho. Agora tem a expectativa de faturar R$ 300 por mês.
Os catadores empurram seus carrinhos dez horas por dia em média e vendem o que recolhem em depósitos próximos da coleta.
Padre Reami explica que é difícil atrair a população de rua para um abrigo. "Alguns não querem perder a sua liberdade. Amam uma liberdade absoluta. Eles encontram tudo de que precisam na rua e não se importam com a insegurança. Depois há a questão da bebida. Alguns não conseguem ficar sem ela." É proibido beber dentro do Dom Bosco.
Todos os abrigados entrevistados pela Folha tiveram problemas com o álcool. Alguns pararam, pois quase morreram em razão do vício. É o caso de Paulo Corrêa de Brito, 52, que parou de beber há cinco anos, depois de uma internação de um mês para se recuperar.
Outros dizem beber de forma controlada na rua. O catador Silva, por exemplo, fala que toma duas ou três "dosinhas". Há casos de pessoas que se recuperam da dependência de outras drogas, como o crack.
Os responsáveis pelo Dom Bosco ressaltam a importância de ações de convencimento. Os moradores de rua têm receio de procurar os abrigos, dos quais possuem uma imagem ruim. "Funciona um boca-a-boca. Um experimenta, fala para o outro que é bom", afirma padre Reami. (ECD)


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