São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 2007

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MARIA INÊS DOLCI

Escombro institucional


O respeito com quem sofreu perdas irreparáveis faz parte da trajetória de um país minimamente decente


O DESABAMENTO do canteiro de obras da futura estação Pinheiros do metrô de São Paulo não pode, e nem deve, ser tratado como uma fatalidade. Há pessoas desaparecidas, e a confirmação de duas mortes (até o começo da noite de ontem). É muito sofrimento e desconforto, tanto para familiares dos que foram tragados pelo buraco quanto para aqueles que moravam ou trabalhavam nos 55 imóveis interditados pela Defesa Civil.
Essa tragédia provoca medo em todos os que moram ou transitam nas imediações de outros locais em que haja obras do metrô. E a estupefação de quem jamais poderia imaginar uma cena dantesca como a ocorrida na última sexta-feira.
Antes de apontar o dedo para os responsáveis, lembremos dos direitos de quem foi afetado pelo desabamento:
1. Acompanhamento médico, hospitalar e psicológico para os familiares dos que morreram nos escombros;
2. Cobertura dos custos de sepultamento dos que faleceram no local;
3. Indenização por perdas e danos para os familiares das vítimas;
4. Hospedagem e alimentação dos que tiveram de abandonar suas residências;
5. Indenização para os que perderam seus imóveis (até agora, quatro foram condenados na rua Capri e um na rua Gilberto Sabino);
6. Indenização para os proprietários de imóveis que perderam valor de mercado, devido ao acidente;
7. Reparação pelos prejuízos provocados a comerciantes e prestadores de serviços localizados na região;
8. Recuperação das vias destruídas pelo desabamento.
A informação de que os problemas na obra já eram conhecidos antes do desabamento torna as autoridades ainda mais co-responsáveis pela reparação dos danos de toda ordem provocados pelo acidente. E descarta, totalmente, a hipótese de fatalidade.
Que essa tragédia não se torne mais um crime impune contra os direitos da população, como o cometido contra os moradores do edifício Palace 2, que desabou em 1998 no Rio de Janeiro, matou oito pessoas e desabrigou 130 famílias. O ilustre construtor, o então deputado Sergio Naya, fugiu sistematicamente de suas responsabilidades, e os processos tiveram altos e baixos na Justiça. Quase uma década depois, ainda há pendências judiciais.
A forma como as pessoas e empresas penalizadas pelo desabamento das obras do metrô forem tratadas mostrará, definitivamente, se ainda continuamos sendo uma "República de Bananas". O verdadeiro risco Brasil é o mais absoluto desprezo para com os brasileiros, de parte dos três poderes e dos segmentos econômicos organizados.
Vidas perdidas não se repõem. Mas o respeito com quem sofreu perdas irreparáveis, humanas ou materiais, faz parte da trajetória de um país minimamente decente. Veremos se, como dizia Alice, é a queda que não tem fim, ou o poço que não tem fundo.

NA INTERNET - http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br


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