São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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MOACYR SCLIAR

Que venha a portabilidade


Aquela união projetada para durar a vida inteira não faz mais sentido numa sociedade em permanente mudança

 

Concluiu-se em todo o território brasileiro a implantação da portabilidade. Folha Informática

ESTÁ CIRCULANDO na internet um documento intitulado "Que venha a portabilidade", elaborado pelo chamado Movimento pela Portabilidade Generalizada (MPG), chefiada por alguém que se autodenomina "Leandro Portátil".
O documento começa fazendo o elogio da portabilidade, agora implantada em todo o Brasil. Não se trata apenas de uma medida pontual de defesa do consumidor, garante. Trata-se de uma nova filosofia de vida, de uma nova concepção do mundo, tão revolucionária quanto o evolucionismo de Darwin, e que portanto não deve se restringir à telefonia móvel, deve ser aplicada às instituições em geral. Num futuro próximo, portabilidade será a palavra-chave em nossa existência, afirma o documento. E cita de imediato três áreas em que grandes mudanças podem ser conseguidas com essa simples, mas genial mudança: a) Portabilidade matrimonial. Está na hora de mudar o casamento tal como o conhecemos, afirma o MPG.
Aquela união projetada para durar a vida inteira não faz mais sentido numa sociedade em permanente mudança e, mais, sujeita a crises que bagunçam todos os conceitos e todas as crenças. Ao casar, diz o MPG, os noivos assinarão um documento aceitando a portabilidade matrimonial. Isso possibilitará a troca simples e automática de cônjuge, sem necessidade de qualquer providência legal. Todos os integrantes do Sistema de Portabilidade Matrimonial (e seus nomes figurarão num site especializado) poderão, a qualquer momento, optar por um novo marido ou uma nova esposa, mediante simples troca de domicílio.
b) Portabilidade política. Política, todos sabem, é coisa que muda. E os políticos frequentemente trocam de partido. Até agora isso vinha sendo dificultado pela legislação. A pergunta é: Por que? Por que não se pode trocar de sigla, de movimento, de ideias? De acordo com o MPG, a portabilidade política passaria a ser incluída no sistema eleitoral. Ao votar, as pessoas admitiriam automaticamente a possibilidade de seu candidato migrar, lépido e fagueiro, para uma outra legenda.
c) Portabilidade futebolística. Essa, o próprio MPG admite, é a portabilidade que provocará maior controvérsia. Sabe-se que as pessoas podem trocar de esposo ou de esposa, podem trocar de partido político -mas trocar de time, ao menos no Brasil, parece heresia. Contudo, diz o MPG, portabilidade é alguma coisa que os técnicos e os jogadores praticam há muito tempo; são regiamente pagos para trocar de time e ninguém estranha isso. Por que a regra não pode se aplicar aos torcedores?
Bastaria trocar a carteirinha e o lugar na torcida e pronto. As pessoas passariam a ver o jogo, e o mundo, de outra maneira.
O documento do MPG tem gerado muita controvérsia. A mídia está atrás do misterioso "Leandro Portátil", para que ele explique suas posições. Ninguém consegue encontrá-lo. Ele nunca está em lugar nenhum.
"La donna è mobile", diz a ópera.
Leandro é muito mais móvel. Graças, decerto, à portabilidade.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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