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MOACYR SCLIAR
Que venha a portabilidade
Aquela união projetada para durar a vida inteira não faz mais sentido numa sociedade em permanente mudança
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Concluiu-se em todo o território brasileiro a implantação da portabilidade. Folha Informática
ESTÁ CIRCULANDO na internet
um documento intitulado
"Que venha a portabilidade",
elaborado pelo chamado Movimento pela Portabilidade Generalizada
(MPG), chefiada por alguém que se
autodenomina "Leandro Portátil".
O documento começa fazendo o
elogio da portabilidade, agora implantada em todo o Brasil. Não se
trata apenas de uma medida pontual
de defesa do consumidor, garante.
Trata-se de uma nova filosofia de vida, de uma nova concepção do mundo, tão revolucionária quanto o evolucionismo de Darwin, e que portanto não deve se restringir à telefonia móvel, deve ser aplicada às instituições em geral. Num futuro próximo, portabilidade será a palavra-chave em nossa existência, afirma o
documento. E cita de imediato três
áreas em que grandes mudanças podem ser conseguidas com essa simples, mas genial mudança:
a) Portabilidade matrimonial. Está na hora de mudar o casamento tal
como o conhecemos, afirma o MPG.
Aquela união projetada para durar a
vida inteira não faz mais sentido numa sociedade em permanente mudança e, mais, sujeita a crises que bagunçam todos os conceitos e todas
as crenças. Ao casar, diz o MPG, os
noivos assinarão um documento
aceitando a portabilidade matrimonial. Isso possibilitará a troca simples e automática de cônjuge, sem
necessidade de qualquer providência legal. Todos os integrantes do
Sistema de Portabilidade Matrimonial (e seus nomes figurarão num site especializado) poderão, a qualquer momento, optar por um novo
marido ou uma nova esposa, mediante simples troca de domicílio.
b) Portabilidade política. Política,
todos sabem, é coisa que muda. E os
políticos frequentemente trocam de
partido. Até agora isso vinha sendo
dificultado pela legislação. A pergunta é: Por que? Por que não se pode trocar de sigla, de movimento, de
ideias? De acordo com o MPG, a portabilidade política passaria a ser incluída no sistema eleitoral. Ao votar,
as pessoas admitiriam automaticamente a possibilidade de seu candidato migrar, lépido e fagueiro, para
uma outra legenda.
c) Portabilidade futebolística. Essa, o próprio MPG admite, é a portabilidade que provocará maior controvérsia. Sabe-se que as pessoas podem trocar de esposo ou de esposa,
podem trocar de partido político
-mas trocar de time, ao menos no
Brasil, parece heresia. Contudo, diz
o MPG, portabilidade é alguma coisa
que os técnicos e os jogadores praticam há muito tempo; são regiamente pagos para trocar de time e ninguém estranha isso. Por que a regra
não pode se aplicar aos torcedores?
Bastaria trocar a carteirinha e o lugar na torcida e pronto. As pessoas
passariam a ver o jogo, e o mundo, de
outra maneira.
O documento do MPG tem gerado
muita controvérsia. A mídia está
atrás do misterioso "Leandro Portátil", para que ele explique suas posições. Ninguém consegue encontrá-lo. Ele nunca está em lugar nenhum.
"La donna è mobile", diz a ópera.
Leandro é muito mais móvel. Graças, decerto, à portabilidade.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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