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DANUZA LEÃO
A vida é cruel
Eles tiveram um romance;
não um grande romance,
mas um romance, mais importante para ela do que para ele, como quase sempre.
Ela sofreu, penou, passou noites
em claro esperando por telefonemas que não vieram, mas às vezes
ele aparecia, com desculpas esfarrapadas nas quais ela acreditava
porque queria, e assim foram levando durante um tempo, até
que um dia acabou de vez.
Acabou de vez, depois de um
tempo ela lembrava dele só às vezes, mas cada vez menos, e por
uma dessas coisas do destino,
nunca mais se viram, nem por
acaso, andando na rua.
Anos se passaram; um dia
ela entrou num aeroporto, procurando o portão de embarque, e
viu lá longe, sentado, alguém que
parecia ser ele. Será? De óculos escuros, pode perfeitamente olhar
sem dar bandeira, e olhou. Não,
não podia ser. Não podia ser, só
que era.
Um começo de calvície, um paletó meio churreado, e sobretudo
um ar de derrota, tudo que ela
achava lindo e charmoso no tempo em que era apaixonada. Ela
passou reto e foi parar dois portões mais adiante do que o seu,
para ter tempo de respirar (e de
medo que ele a reconhecesse e tivessem que conversar). Sentou-se
lá longe e ficou de olho, para evitar o encontro.
Daria a vida, naquela hora, por
um cigarro, é para isso que eles
existem, mas nesses malditos aeroportos modernos não se pode
fumar. Pegou um jornal deixado
na cadeira ao lado e fingiu que lia
as notícias econômicas, enquanto
pensava nas loucuras que fez por
aquele homem e nas que teria feito, se ele tivesse deixado. Pensou
também que poderia ser mais
normal, passar por ele e dizer um
oi, como você está, perguntar como a vida vai indo, mas não teve
coragem. Tentou pensar em outra
coisa, mas não conseguiu, só queria embarcar logo, e que ele não a
visse, pelo amor de Deus.
Depois do que lhe pareceram
horas, o embarque foi dado, o que
significava que ela teria que passar de novo pelo lugar em que ele
estava sentado, se é que ele ainda
estivesse lá. Tinha que encarar,
ou então dormir numa cadeira
do aeroporto. Tomou coragem,
respirou fundo e foi.
Viu que ele continuava no mesmo lugar, e ela tinha que passar
bem diante dele. Ajeitou os óculos
e passou, com um olhar bem distraído, mas olhando, pelo rabo do
olho. E teve a dolorosa impressão
que ele a tinha visto e que não tinha se dirigido a ela pelos mesmos motivos: talvez a tivesse
achado feia, velha, churreada,
com ar de derrotada pela vida.
Foi das primeiras a entrar no
avião e sentou-se bem no fundo,
para ver se ele ia entrar no mesmo
que ela, o que felizmente não
aconteceu.
Pensou em como o mundo é
cruel, e quando a comissária de
bordo passou oferecendo um lanche, pediu um uísque -só que na
ponte aérea não servem bebidas
alcoólicas.
Teve que segurar o tumulto
dentro dela até chegar em casa, tirar o gelo e tomar não um, mas
três uísques, um depois do outro.
E só parou no terceiro porque,
se continuasse, seria capaz de cair
em prantos, não por ele, não por
ela, mas por tudo.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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