São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

Calçadas do anonimato

Ele se viu seduzido a descobrir fotograficamente o seu entorno, atraído pelos prédios do "centro velho"

RONALDO PEREIRA da Silva Júnior cultiva um inusitado hobby: fotografar calçadas de diferentes bairros de São Paulo. "Descobri que é possível revelar a alma de uma cidade através das suas calçadas."
A fotografia foi o que restou dos sonhos de comunicação de Ronaldo, que, na adolescência, pensou em ser ator e, depois, em seguir a carreira de publicitário. Preferiu trabalhar em banco e, atualmente, estuda gestão financeira. "Mas sempre mantive aquela vontade de me expressar artisticamente."
Em meio a planilhas repletas de números, ele se viu seduzido a descobrir fotograficamente o seu entorno, atraído pelos prédios do chamado "centro velho" -era a sua deixa para sair do anonimato artístico.

 

Nas conversas de corredor, descobriu um funcionário do banco -Anderson Patric Joaquim- que, como ele, gosta de fotografar e estava interessado em descobrir os segredos do centro. Nas horas vagas, os dois saíam para tirar fotos. "Decidimos, então, focar melhor nosso olhar."
Desconfiaram que as calçadas talvez contassem as diversidades e as desigualdades da cidade. "A calçada é algo tão corriqueiro, passando por nossos olhos todos os dias, que nem vemos como elas são o retrato de uma comunidade." A dupla sentiu isso literalmente na pele -um deles tropeçou no buraco de uma calçada e se estatelou no chão.
 

A dupla buscava os contrastes documentando as calçadas da periferia -onde um deles tomou o tombo- e a de ruas como a Oscar Freire. "Lá, elas são todas niveladas, bem cuidadas, limpas, há lugar para sentar e conversar, respeito aos portadores de deficiência." Em outros lugares, simplesmente não há calçadas, o que os obrigava a caminhar pela rua, em meio aos automóveis.
As diferenças também se registraram pelos personagens. Em alguns lugares, o que sobressai é uma árvore, jardim ou até um elegante sapato de salto alto ou, quem sabe, um cachorrinho todo vestido -em outros, além dos buracos, crianças ou homens dormindo.
 

O projeto entra agora numa fase mais ambiciosa. A dupla quer percorrer linhas de ônibus, saindo dos extremos das zonas oeste, sul, leste e norte. Vão fotografar as calçadas nos pontos iniciais e, de novo, na parada final, para comparar as imagens.
No meio do caminho dessa experiência, a dupla percebeu que tinha em mãos mais do que um projeto artístico: imaginaram-se com um material para denunciar a desigualdade de uma cidade por meio da dificuldade de circulação de seus pedestres.
E, neste momento, Ronaldo e Anderson estão preparando um jeito de sair do anonimato. Não sabem como nem quando, mas colocaram na cabeça que todo esse material vai virar uma exposição.
 

PS - Enquanto a exposição não vem, coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) algumas das fotos das calçadas que foram tiradas por eles.

gdimen@uol.com.br

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