São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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GUERRA URBANA/ ANÁLISE

Para diretor de "Ônibus 174", houve a explosão de um barril de pólvora; cineasta Sergio Bianchi diz acreditar em erros da elite

Cineastas culpam Estado por "barbárie"

EDUARDO SIMÕES
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Clima de barbárie. Foi assim que o escritor Marçal Aquino, autor de "O Invasor", que retrata a violência em São Paulo, e que foi adaptado para o cinema por Beto Brant, descreveu o que viu pelas ruas da cidade ontem.
"As pessoas estão se assustando com qualquer escapamento de carro estourando. O que preocupa mais, no entanto, é a impotência do Estado para fazer frente a essa violência. Li que já se fala até em negociação. É a realidade esfregada na nossa cara de maneira compulsória", disse o escritor que também foi roteirista do filme "Crime Delicado".
Aquino ressaltou ainda que a violência em São Paulo, que costuma ser menos "promíscua" do que no Rio de Janeiro, porque está nas "franjas da cidade", chegou a um nível em que ninguém escapa. E mais: o crime paulista parece mais organizado. "São Paulo tem fama de ser mais organizada e pelo visto, infelizmente até nisso, porque consegue ter um levante realizado no Estado inteiro."
Para Joaquim Nogueira, ex-delegado, o clima ontem era de verdadeiro terrorismo. A obra do autor, que inclui os livros "Informações Sobre a Vítima" e "Vida Pregressa", descreve o cotidiano da polícia civil de São Paulo.
"O PCC [Primeiro Comando da Capital] cresceu demais, por conta da omissão do Estado, da fraqueza e ineficiência do aparelho policial. Agora está fazendo demonstração de força para impor medo e reivindicar coisas. O governo está em situação difícil. Mas tem que fazer demonstração de força também, porque ele tem maior poder do que organização criminosa. Se omitir, os criminosos vão ocupar cada vez mais espaço e nós, a população, pagamos o pato e e vamos ser vítimas."

Barril de pólvora
Já Ferréz, autor de "Manual Prático do Ódio", que também tem como cenário a periferia paulista, ressaltou que a culpa é do Estado, que não investe em educação nem em segurança pública. "O que mais me deixou triste foi ver muito trabalhador precisando ir trabalhar e não conseguindo."
"Isso não me espanta, o sistema está destruído, isso é natural", diz o cineasta José Padilha, diretor do documentário "Ônibus 174", para quem o que está acontecendo nos últimos dias é a explosão de um barril de pólvora. "Existem por um lado os criminosos, por outro, a situação calamitosa dos presídios. O criminoso revoltado é, nesse caso, o estopim de um barril de pólvora."
O diretor está se preparando para iniciar as rodagens de "Tropa de Elite", filme que vai tratar da relação dos policiais com a violência social no Brasil. "Hoje temos o Estado produzindo a violência. Por exemplo, se um policial for honesto, vai arriscar sua vida, mal armado e mal preparado, para ganhar apenas R$ 700 por mês. Ou seja, está sendo impelido pela própria polícia a se corromper."
Padilha diz acreditar que o fato de o cinema brasileiro estar retratando a violência social com mais intensidade nos últimos tempos não incentiva mais violência. "Não compro a idéia de que o cinema tenha alguma influência sobre a violência. Quantas pessoas viram "Carandiru", 5 milhões? E "Cidade de Deus", 3 milhões? Muito pouca gente vê esses filmes. Não é isso que faz a diferença, basta olhar para os verdadeiros problemas. São eles que causam a violência."
Para o cineasta Sergio Bianchi, diretor de "Cronicamente Inviável" e também de "Quanto Vale ou É por Quilo", a situação é resultado de erros da elite. "A elite comete erros catastróficos e, cedo ou tarde, tem problemas enormes para resolver."


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