São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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GUERRA URBANA/ ANÁLISE

É preciso explicar às crianças o que ocorre

ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Que bom seria se pudéssemos poupar os filhos pequenos do clima de apreensão, medo e insegurança que vivemos nos últimos dias. Mas essa é uma impossibilidade que precisamos encarar como tal. Não conseguiremos livrar a cara nem mesmo dos menores de seis anos desses dias de horror. Se alguém ainda tem essa ilusão, pode se preparar para perdê-la, porque só assim será possível fazer algo em favor deles.
Já sabemos faz algum tempo que as crianças estão carregando nos ombros, e sem muita ajuda, todo o peso do mundo adulto. Notícias e informações que elas ainda não têm condições de compreender pelo contexto em que estão inseridas são jogadas sobre elas; agendas que dariam trabalho para um adulto cumprir a elas são impostas; exigências de boa produção escolar, de determinados estilos de vida, de certos hábitos e até do uso de vestimentas que eram exclusivas dos adultos agora são apresentadas ao universo infantil.


Nós não conseguiríamos ocultar a origem de nossas preocupações


Se o mundo muda, as crianças mudam também, e é impossível negar que as que vivem na atualidade estão muito mais abertas a uma diversidade impressionante de estímulos e, portanto, em condições de reagir frente a situações antes inusitadas. Será que aumentou o índice de crianças precoces? Não: as que assim são chamadas são, na verdade, frutos desse mundo que se renova a cada dia. No entanto, emocionalmente, elas continuam em desenvolvimento e, portanto, ainda sem recursos para se proteger de muitas questões com as quais têm de se defrontar.
Resultado? Já contabilizamos, por exemplo, um bom número de doenças físicas e mentais em crianças, que antes estavam circunscritas ao mundo adulto.
Nos últimos dias, as famílias que moram na cidade de São Paulo e que têm filhos pequenos que tentaram viver um cotidiano semelhante ao da semana passada, por exemplo, não conseguiram. Muitas escolas decidiram encerrar suas atividades mais cedo e convocaram os pais a buscarem os filhos, isso para citar apenas uma entre tantas outras situações bem diferentes às quais as crianças foram submetidas.
Como explicar a elas essa mudança brusca de rotina? Como negar a elas informações que elas mesmas pedem? Como dar a conhecer a elas a sensação que nós -repito: nós- adultos experimentamos?
Mesmo que decidíssemos que ocultar a origem de nossas preocupações seria a atitude menos prejudicial a ser tomada, não conseguiríamos. A rede de informações públicas já penetrou o mundo infantil. Além disso, as crianças pequenas comunicam-se diretamente com as emoções de seus pais e dos adultos que dela cuidam, por isso saberiam, de uma forma ou de outra, que algo não estaria bem.
Diante do inevitável, é necessário oferecer a elas palavras e recursos para ajudar a dar nome às sensações dolorosas que podem experimentar, tais como a angústia, a insegurança e o medo de quem sabe que precisa de adultos que a protejam e percebe que estes estão vulneráveis, preocupados, impotentes. Mas que sejam palavras e recursos simples -porque a angústia e a impotência são todas nossas.


Basta afirmar que tem gente grande brigando e que isso é perigoso


Explicações detalhadas a respeito do clima de guerra instalado entre o crime organizado e a polícia são infrutíferas e ineficazes nessa hora. É preciso saber que o que as crianças precisam é de condições para se defenderem do que sentem e não do que acontece à sua volta. Frente a isso, elas nada podem fazer.
É preciso, também, dar a elas alguma garantia. Nada que seja irreal ou impossível, mas que sinalize que os adultos responsáveis por cuidar delas estão a postos e atentos. Assim, esclarecer que os pais foram buscá-la mais cedo ou que não a levaram à escola como uma medida de proteção frente aos acontecimentos pode ser uma atitude sensata. E, caso elas queiram saber o que está a ocorrer, basta afirmar, por exemplo, que tem gente grande brigando na cidade e que isso é perigoso. Esse é um tipo de linguagem que faz sentido a elas.
Por último: poupar as crianças pequenas do noticiário destes dias, que é dirigido aos adultos, é fundamental. E ter disponibilidade para ouvir o que eles têm a dizer, mais do que falar, também.

Rosely Sayão é psicóloga e autora do livro "Como Educar Meu Filho?" (editora Publifolha)

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