São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009

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WALTER CENEVIVA

Ivo, o canonista


Ivo marcou, pela coragem, um dos papéis preponderantes que se esperam do advogado: o de não temer o poder constituído


O MÊS de maio assinala, em várias partes do mundo, a comemoração do Dia de Santo Ivo, padroeiro dos advogados, cuja missa anual será celebrada, em São Paulo -a mando da Associação, da Ordem e do Instituto dos Advogados de São Paulo-, no dia 19 (terça), na paróquia em honra ao santo.
O nome do padroeiro me veio à lembrança porque estamos vivendo um período em que a advocacia surge em destaque no noticiário, pelos motivos mais diversos, dos criminalistas aos especialistas em direitos tributário e comercial.
Nas transformações sociais, como as deste momento histórico, sempre há lugar para o aparecimento do advogado no seu exclusivo papel de falar pela cidadania diante do Judiciário -sendo a advocacia, por definição constitucional, função essencial para a justiça.
O Ministério Público, outra função essencial, também tem membros que falam pela sociedade em casos específicos, mas em circunstâncias que não devem incluir a representação atribuída ao advogado.
Pois Santo Ivo (ou Yves) de Chartres foi bispo dessa cidade francesa. Viveu entre 1040 e 1116, considerado o maior especialista em direito canônico de seu tempo.
Ivo não foi apenas estudioso das teorias do direito, mas pôs seu saber a serviço dos que dele precisavam numa época em que a Igreja Católica exerceu direta ou indiretamente forte influência sobre os governantes. Ivo marcou, pela coragem, um dos papéis preponderantes que se esperam dos advogados: o de não temer o poder constituído, ou imposto. Ivo era de família abonada, o que lhe permitiu tranquilidade no bispado e na advocacia.
Há um episódio simbólico de seu destemor. Em um momento de sua vida, era comum que os reis resolvessem trocar de esposa, sob alegações as mais diversas -nenhuma das quais compatível com as leis da igreja quanto à nulidade do matrimônio ou sobre o divórcio.
Foi o que aconteceu com Felipe 1º, rei da França. Quis descasar-se de Berta, sua primeira mulher, para desposar a condessa Bertrande D'Anjou. Ivo, sob sólidos argumentos canônicos, se opôs. Felipe 1º, não conseguindo convencê-lo, ordenou a sua prisão, mas teve de soltá-lo por influência do papa Urbano.
Ivo também interveio em muitas outras questões marcadas pela mesma coragem e pelo sentimento de justiça, interferindo como mediador. Tanto que perdoou Felipe 1º e se reconciliou com ele.
O leitor provavelmente se perguntará como Ivo conseguiu ser, ao mesmo tempo, santo e advogado. A possibilidade da dúvida é natural. Não desmerece a profissão.
Falando em nome de seu cliente, defendendo causas justas e injustas, cíveis e criminais, é evidente que o advogado só fala para defendê-lo, sendo grave falha ética se fizer o oposto, se prestar declarações contrárias ao interesse sustentado ou se admitir que o seu representado ofendeu o direito de alguém.
Assim é porque todos, do mais honesto ao pior delinquente, têm o direito à ampla defesa. Só nas ditaduras há condenações sem defesa dos inimigos do regime. No mundo civilizado, predomina a aceitação do advogado -conforme se vê no "Salve Rainha" (católico), ao invocar a proteção de Maria, "advogada nossa".
Santo Ivo, há quase mil anos, mostrou, ainda que por exceção, que é possível ser santo e ser advogado.


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