São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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ARLINDA MARCELINA LOURENÇO

Assassinaram o meu irmão pela segunda vez

FAMÍLIA DE PAMONHEIRO MORTO EM MEIO A TIROTEIO PRÓXIMO AO PARQUE DO IBIRAPUERA TENTA PROVAR QUE ELE É INOCENTE

ANDRÉ CARAMANTE
DE SÃO PAULO

O enterro do pamonheiro Geraldo Magela Lourenço, 37, custou R$ 2.300. Seus familiares e vizinhos da rua das Rosas, em Parelheiros, 50 km ao sul do centro de São Paulo, juntaram R$ 800. Para quitar os R$ 1.500, a opção foi colocar à venda os poucos móveis do próprio Lourenço.
"Pior não é a falta de dinheiro para o enterro. Dolorido mesmo foi saber que ele teve duas mortes", afirma Arlinda Marcelina Lourenço, 38, irmã do pamonheiro.
Ela explica: "Uma morte foi com o tiro no rosto e a outra foi quando a polícia falou que ele era um criminoso".
Mineiro de uma família com 11 irmãos de Barra Longa, onde começou a vida trabalhando na agricultura e na pecuária, o pamonheiro foi morto com um tiro da polícia na madrugada de 26 de abril.

MEIO DO CAMINHO
Ao ser baleado, Lourenço dirigia sua Saveiro, enferrujada, pela avenida Ibirapuera, na zona sul de São Paulo.
Na caçamba, havia sacos de milho e os apetrechos para manipular as espigas. No banco do passageiro do carro estava o botijão de gás usado para esquentar o produto.
Lourenço ia do centro da cidade, onde costumava comprar milho, em direção à porta do Hospital do Servidor Público Estadual, onde trabalhava havia 15 anos vendendo derivados do produto.
Era uma das figuras mais conhecidas na região, segundo o taxista Isaac Barbosa de Melo, 43, que conhecia Lourenço há mais de dez anos.
O ferimento no rosto do pamonheiro foi causado durante uma troca de tiros entre ladrões que tentavam roubar caixas eletrônicos dentro do Ipê Clube, perto do Hospital do Servidor, e policiais militares do 12º Batalhão.
Na versão policial, um dos criminosos correu em direção ao carro de Lurenço, entrou no veículo e ficou no banco do passageiro, mas em seguida desceu atirando. Além de Lourenço, outros dois homens foram mortos pela PM naquela madrugada.
Dentro do carro de Lourenço, além do botijão de gás, a polícia diz ter encontrado quatro carregadores de fuzil.
Horas depois da morte do pamonheiro, que era pai de Kemily, 6, e Kelvin, 9, a Polícia Militar de São Paulo autorizou que dois dos seus oficiais, o tenente-coronel Helson Léver Camilli, comandante do 12º Batalhão da PM, e o major Sergio Watanabe, falassem sobre a ocorrência.
Para eles, Lourenço "teve atitude suspeita ao parar seu carro na avenida no tiroteio". "Ninguém mandou ele parar. Aparentemente, parou porque quis. Não é normal que alguém pare no meio de um tiroteio", afirmou Camilli.
As declarações dos policiais foram dadas ainda quando a família de Lourenço estava na delegacia onde as mortes eram registradas.
Nos últimos dias, a Folha conversou com cerca de 40 pessoas, entre policiais, amigos, vizinhos, familiares e conhecidos do pamonheiro que trabalham dentro e ao redor do hospital. Não ouviu relatos que o envolvam com qualquer tipo de crime.
Na quinta-feira, ao serem procurados pessoalmente pela Folha, os oficiais da PM que o chamaram de "suspeito" para tentar justificar sua morte não quiseram falar.
Para descobrir quem era Lourenço e, principalmente, se ele era ou não ligado à quadrilha de dez ladrões que invadiu o Ipê Clube, o DHPP (departamento de homicídios), da Polícia Civil, fez uma devassa em sua vida. Nada foi encontrado até hoje.
A perícia indica que a bala que matou Lourenço é de pistola .40, arma padrão da PM.
"É difícil, mas a gente até entenderia com menos tristeza se a polícia assumisse que morreu numa fatalidade, não precisava querer transformá-lo em ladrão", afirma a irmã do pamonheiro, preocupada em achar uma solução para que o casal de filhos do irmão não enfrente ainda mais dificuldades financeiras.
"Ele vivia para as crianças. Comprava tudo financiado, mas trabalhava muito para dar o que precisavam. Ele ficou feliz quando conseguiu fazer um carnê nas Casas Bahia e comprar o computador para o menino dele", conta.

OBJETIVO
"Vamos até o fim para mostrar que mataram um trabalhador. Assim que tivermos condições, vamos processar o Estado. Não por dinheiro, mas para limpar o nome do Lado [apelido familiar do pamonheiro]", diz a irmã.
Vizinho e parceiro no jogo de bilhar de Lourenço aos sábados e domingos, o aposentado João Manoel da Silva, 62, disse não esquecer o sorriso do amigo. "Era um homem calmo, que vivia para os outros. Como podem tentar manchar a honra dele depois de morto?", questiona.


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