São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

Próximo Texto | Índice

URBANISMO

Depois que 1.100 m2 forem destruídos, construção na rua Tucumã será liberada; Justiça aponta negligência da prefeitura

Juiz manda remendar prédio de US$ 15 mi

SÍLVIA CORRÊA
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

A Justiça decidiu: o enorme esqueleto da rua Tucumã, no Jardim Paulista (zona oeste de SP), vai ser remendado e liberado à moradia de seus 15 abastados proprietários. A obra deve levar aproximadamente dois anos.
O prédio, avaliado em US$ 15 milhões, foi irregularmente erguido num dos metros quadrados mais caros da cidade durante cinco anos. Mas a prefeitura, como se não visse que ele surgia, nada fez.
Quase uma década depois do início das obras, a sentença põe fim a uma novela marcada por negligência, imoralidade e ineficiência, nas palavras do próprio autor da sentença, o juiz Rômolo Russo Jr., da 5ª Vara da Fazenda Pública. "Imoral a conduta do município de São Paulo. Imoral a conduta da construtora. Um feixe de imoralidades e ilegalidades."
Pela decisão -datada de segunda-feira-, a construtora Moraes Sampaio terá de demolir cerca de 1.100 m2 do prédio -10% da atual área construída- para adaptá-lo à legislação urbanística municipal. Os trechos a destruir foram definidos por uma perícia feita pelo arquiteto Luiz Paulo Gião de Campos.
As conclusões do perito -cujo trabalho demorou 20 meses- foram integralmente aceitas pela prefeitura, a construtora e a Promotoria. Do ponto de vista técnico, Gião ofereceu duas alternativas ao juiz: demolição total do edifício ou reforma parcial, adaptando o prédio às leis, mas não ao projeto inicialmente aprovado.
O juiz ficou com a medida mais branda e sustentou sua decisão num princípio formado pela Corte de Justiça da União Européia, segundo o qual, "entre várias medidas apropriadas, é conveniente utilizar a menos gravosa".
Por isso, continuou Russo Jr., embora colocar o prédio integralmente abaixo "pudesse ser uma boa lição", seria uma medida "desproporcional e não socorreria ao interesse público". A empreiteira diz que não vai recorrer, devendo apenas questionar as custas do processo -que cabem à ré e estão fixadas em R$ 500 mil.

Ninguém sabe, ninguém viu
O prédio já está desembargado para estudos necessários à reforma, mas as obras só podem efetivamente começar depois de esgotadas as instâncias de recurso.
Batizado de Edifício Villa Europa, o espigão da Tucumã tem 29 metros a mais do que consta no projeto autorizado pela prefeitura -deveriam ser 86,6 metros, mas são 116,7- e se destaca na marginal Pinheiros, uma das vias mais movimentadas da cidade.
Apesar das proporções da irregularidade, os metros a mais lá surgiram entre 1993 e 1998 -nas gestões de Paulo Maluf (PP) e Celso Pitta (PSL)- aparentemente sem que ninguém notasse.
Só foi embargado em março de 1999, quando um membro da Comissão Normativa de Legislação Urbana (CNLU), passando casualmente pelo local, estranhou a altura do prédio e sugeriu que a Secretaria da Habitação checasse sua situação. Estava tudo errado.
Na ocasião, a própria prefeitura divulgou suspeitas de que fiscais da então Administração Regional de Pinheiros -epicentro da máfia da propina, descoberta naquela ano- haviam exigido vantagens para ignorar as fraudes, mas nunca comprovou a suspeita.
Um ano depois, o poder público foi à Justiça -ação que culminou com a sentença de reforma.
No processo, porém, a prefeitura pede apenas que a obra seja judicialmente paralisada -o que aconteceu em março de 2000- e que os empreiteiros sejam obrigados a adequá-la à legislação. Nada fala, por exemplo, em indenização aos cofres públicos como "sanção pelo desvio".

Na boca do estômago
A falta de pedido de indenização é criticada pelo juiz Russo Jr. Mas esse não é o único ataque que ele faz à municipalidade. Em sucessivos parágrafos, o magistrado questiona a lisura da administração, afirmando que o interesse social foi comandado ou por sua ineficiência ou "por interesse outro não comprovado nos autos".
"No dia-a-dia, o que se vê é que uma simples construção residencial, o chamado "puxadinho", ou um muro de arrimo já são alvo dos olhos atentos do setor público, enquanto, ao contrário, uma obra de ponta, de bom gosto, construída para a classe A, acaba ficando vazia de concreta e comprovada fiscalização", escreve.
O juiz não pára por aí: "A hipótese dos autos faz recordar uma cinzenta imagem de que se vive ainda hoje um capitalismo selvagem, sem ética, onde o poder da moeda é em tese o mais forte".
Para apurar a suspeita de improbidade administrativa, ele determinou que cópias das principais peças do processo sejam encaminhadas à Promotoria de Justiça da Cidadania.
A prefeitura disse que o caso se deu em administrações passadas e que não comentaria a sentença por não ter sido notificada.


Próximo Texto: Urbanismo: Construtora diz que fará as reformas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.