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URBANISMO
Depois que 1.100 m2 forem destruídos, construção na rua Tucumã será liberada; Justiça aponta negligência da prefeitura
Juiz manda remendar prédio de US$ 15 mi
SÍLVIA CORRÊA
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
A Justiça decidiu: o enorme esqueleto da rua Tucumã, no Jardim Paulista (zona oeste de SP),
vai ser remendado e liberado à
moradia de seus 15 abastados
proprietários. A obra deve levar
aproximadamente dois anos.
O prédio, avaliado em US$ 15
milhões, foi irregularmente erguido num dos metros quadrados
mais caros da cidade durante cinco anos. Mas a prefeitura, como se
não visse que ele surgia, nada fez.
Quase uma década depois do
início das obras, a sentença põe
fim a uma novela marcada por
negligência, imoralidade e ineficiência, nas palavras do próprio
autor da sentença, o juiz Rômolo
Russo Jr., da 5ª Vara da Fazenda
Pública. "Imoral a conduta do
município de São Paulo. Imoral a
conduta da construtora. Um feixe
de imoralidades e ilegalidades."
Pela decisão -datada de segunda-feira-, a construtora Moraes Sampaio terá de demolir cerca de 1.100 m2 do prédio -10% da
atual área construída- para
adaptá-lo à legislação urbanística
municipal. Os trechos a destruir foram definidos
por uma perícia feita pelo arquiteto Luiz Paulo Gião de Campos.
As conclusões do perito -cujo
trabalho demorou 20 meses- foram integralmente aceitas pela
prefeitura, a construtora e a Promotoria. Do ponto de vista técnico, Gião ofereceu duas alternativas ao juiz: demolição total do
edifício ou reforma parcial, adaptando o prédio às leis, mas não ao
projeto inicialmente aprovado.
O juiz ficou com a medida mais
branda e sustentou sua decisão
num princípio formado pela Corte de Justiça da União Européia,
segundo o qual, "entre várias medidas apropriadas, é conveniente
utilizar a menos gravosa".
Por isso, continuou Russo Jr.,
embora colocar o prédio integralmente abaixo "pudesse ser uma
boa lição", seria uma medida
"desproporcional e não socorreria ao interesse público". A empreiteira diz que não vai recorrer,
devendo apenas questionar as
custas do processo -que cabem
à ré e estão fixadas em R$ 500 mil.
Ninguém sabe, ninguém viu
O prédio já está desembargado
para estudos necessários à reforma, mas as obras só podem efetivamente começar depois de esgotadas as instâncias de recurso.
Batizado de Edifício Villa Europa, o espigão da Tucumã tem 29
metros a mais do que consta no
projeto autorizado pela prefeitura
-deveriam ser 86,6 metros, mas
são 116,7- e se destaca na marginal Pinheiros, uma das vias mais
movimentadas da cidade.
Apesar das proporções da irregularidade, os metros a mais lá
surgiram entre 1993 e 1998 -nas
gestões de Paulo Maluf (PP) e Celso Pitta (PSL)- aparentemente
sem que ninguém notasse.
Só foi embargado em março de
1999, quando um membro da Comissão Normativa de Legislação
Urbana (CNLU), passando casualmente pelo local, estranhou a
altura do prédio e sugeriu que a
Secretaria da Habitação checasse
sua situação. Estava tudo errado.
Na ocasião, a própria prefeitura
divulgou suspeitas de que fiscais
da então Administração Regional
de Pinheiros -epicentro da máfia da propina, descoberta naquela ano- haviam exigido vantagens para ignorar as fraudes, mas
nunca comprovou a suspeita.
Um ano depois, o poder público
foi à Justiça -ação que culminou
com a sentença de reforma.
No processo, porém, a prefeitura pede apenas que a obra seja judicialmente paralisada -o que
aconteceu em março de 2000- e
que os empreiteiros sejam obrigados a adequá-la à legislação. Nada
fala, por exemplo, em indenização aos cofres públicos como
"sanção pelo desvio".
Na boca do estômago
A falta de pedido de indenização
é criticada pelo juiz Russo Jr. Mas
esse não é o único ataque que ele
faz à municipalidade. Em sucessivos parágrafos, o magistrado
questiona a lisura da administração, afirmando que o interesse social foi comandado ou por sua
ineficiência ou "por interesse outro não comprovado nos autos".
"No dia-a-dia, o que se vê é que
uma simples construção residencial, o chamado "puxadinho", ou
um muro de arrimo já são alvo
dos olhos atentos do setor público, enquanto, ao contrário, uma
obra de ponta, de bom gosto,
construída para a classe A, acaba
ficando vazia de concreta e comprovada fiscalização", escreve.
O juiz não pára por aí: "A hipótese dos autos faz recordar uma
cinzenta imagem de que se vive
ainda hoje um capitalismo selvagem, sem ética, onde o poder da
moeda é em tese o mais forte".
Para apurar a suspeita de improbidade administrativa, ele determinou que cópias das principais peças do processo sejam encaminhadas à Promotoria de Justiça da Cidadania.
A prefeitura disse que o caso se
deu em administrações passadas
e que não comentaria a sentença
por não ter sido notificada.
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