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WALTER CENEVIVA
A idéia do casamento a prazo
Passou a ser mais importante buscar nos adaptar à realidade do que defender concepções que tentam resistir ao ajuste
E
XISTE NO BRASIL o casamento
a tempo curto de duração,
que os iranianos estão discutindo para seu país, com a finalidade
de proporcionar o relacionamento
íntimo entre os jovens, sob forma
regulada em lei. "É uma heresia!",
bradará irritado o leitor mais convencional, logo recordando que o
matrimônio brasileiro é, em tese, de
tempo indeterminado. Verdade,
respondo conciliatoriamente, anotando se tratar de um modo de dizer.
Pensemos, porém, que a Constituição, desde 1988 e mesmo antes
(desde 1977), admitiu o divórcio,
dois anos após a cerimônia formal
da união civil. Não é casamento a
prazo, consórcio com duração mínima desejável, não definitiva, quando
a vida em comum se conturbar.
Contra a opinião firme da Igreja
Católica, a Constituição nacional
dispõe, no artigo 226, parágrafo 6º,
que: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano,
nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais
de dois anos". A substância do tema
situa-se na dissolução, contraposta à
não-dissolução. O resto é questão do
tempo passado até que o ajuste matrimonial seja rescindido ou até que
presentes os elementos indicados
na lei para permitir a rescisão.
Nem os motivos alegados no debate ora travado no Irã nem a predominância religiosa naquele país tem
semelhança com o Brasil. Nossa
criação legal abandonou a idéia histórica da perpetuidade do matrimônio, em modo parecido com outras
do ocidente cristão, onde o divórcio
é aceito pela maioria da população.
É bom ou ruim, para a vida em sociedade, que o casamento tenha regulação relativa aos prazos em que a
dissolução é admitida? E às suas
conseqüências? É bom, segundo a
experiência vivida, nestes 30 anos
do divórcio. Bom e natural, depois
que a vida contemporânea foi subvertida, "tsunamizada" por longa série de fatores. Lembro alguns: energia elétrica transmitida à distância,
atividade noturna estendida a todos
os segmentos, ingresso da mulher
no mercado de trabalho, conhecimento universal de tudo quanto
acontece, aberto a todos os fatos do
planeta. Do ponto de vista sociológico, recordo a concentração urbana
das populações. Insistir em velhas
concepções, do mundo que existia
antes de 1950, é perda de tempo.
Basta saber que nem a televisão era
comum. Do "Google", nem falar!
Temos de buscar o melhor, que se
ajuste às condições e às relações da
vida atual, respeitada a vontade individual dos que pensem de modo
diverso, nestes tempos de internet e
telefone celular.
O velho padrão moral da família e
dos grupos sociais foi subvertido.
Assim, o direito, fenômeno tipicamente social, sofre mutação ininterrupta. Quem duvidar que duvide,
mas, pensando na reprodução assistida, na duração multiplicada da vida, na liberdade sexual da mulher,
passou a ser mais importante buscar
modo de nos ajustarmos à realidade
contemporânea, aprimorando o
transformado referencial ético, em
vez de defendermos concepções,
que tentam resistir ao ajuste.
O exemplo do Irã tem esse lado
bom, mesmo que não dê certo. Há
que cogitar de soluções, compatíveis
com a mutação dos padrões, para
que também conformem o direito
sem perda da dignidade na vida nova
da família e da sociedade.
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