São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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WALTER CENEVIVA

A idéia do casamento a prazo

Passou a ser mais importante buscar nos adaptar à realidade do que defender concepções que tentam resistir ao ajuste

E XISTE NO BRASIL o casamento a tempo curto de duração, que os iranianos estão discutindo para seu país, com a finalidade de proporcionar o relacionamento íntimo entre os jovens, sob forma regulada em lei. "É uma heresia!", bradará irritado o leitor mais convencional, logo recordando que o matrimônio brasileiro é, em tese, de tempo indeterminado. Verdade, respondo conciliatoriamente, anotando se tratar de um modo de dizer.
Pensemos, porém, que a Constituição, desde 1988 e mesmo antes (desde 1977), admitiu o divórcio, dois anos após a cerimônia formal da união civil. Não é casamento a prazo, consórcio com duração mínima desejável, não definitiva, quando a vida em comum se conturbar.
Contra a opinião firme da Igreja Católica, a Constituição nacional dispõe, no artigo 226, parágrafo 6º, que: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano, nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos". A substância do tema situa-se na dissolução, contraposta à não-dissolução. O resto é questão do tempo passado até que o ajuste matrimonial seja rescindido ou até que presentes os elementos indicados na lei para permitir a rescisão.
Nem os motivos alegados no debate ora travado no Irã nem a predominância religiosa naquele país tem semelhança com o Brasil. Nossa criação legal abandonou a idéia histórica da perpetuidade do matrimônio, em modo parecido com outras do ocidente cristão, onde o divórcio é aceito pela maioria da população.
É bom ou ruim, para a vida em sociedade, que o casamento tenha regulação relativa aos prazos em que a dissolução é admitida? E às suas conseqüências? É bom, segundo a experiência vivida, nestes 30 anos do divórcio. Bom e natural, depois que a vida contemporânea foi subvertida, "tsunamizada" por longa série de fatores. Lembro alguns: energia elétrica transmitida à distância, atividade noturna estendida a todos os segmentos, ingresso da mulher no mercado de trabalho, conhecimento universal de tudo quanto acontece, aberto a todos os fatos do planeta. Do ponto de vista sociológico, recordo a concentração urbana das populações. Insistir em velhas concepções, do mundo que existia antes de 1950, é perda de tempo. Basta saber que nem a televisão era comum. Do "Google", nem falar!
Temos de buscar o melhor, que se ajuste às condições e às relações da vida atual, respeitada a vontade individual dos que pensem de modo diverso, nestes tempos de internet e telefone celular.
O velho padrão moral da família e dos grupos sociais foi subvertido. Assim, o direito, fenômeno tipicamente social, sofre mutação ininterrupta. Quem duvidar que duvide, mas, pensando na reprodução assistida, na duração multiplicada da vida, na liberdade sexual da mulher, passou a ser mais importante buscar modo de nos ajustarmos à realidade contemporânea, aprimorando o transformado referencial ético, em vez de defendermos concepções, que tentam resistir ao ajuste.
O exemplo do Irã tem esse lado bom, mesmo que não dê certo. Há que cogitar de soluções, compatíveis com a mutação dos padrões, para que também conformem o direito sem perda da dignidade na vida nova da família e da sociedade.


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