São Paulo, segunda-feira, 16 de julho de 2007

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Sociólogo também aponta abuso de força

Ignácio Cano diz que estudo mostra "indícios fortíssimos" de assassinatos, por policiais, em operação no complexo do Alemão

Pesquisa do professor da UERJ foi feita com base em laudos dos mortos na operação policial e estudo sobre violência no Rio

DA SUCURSAL DO RIO

A análise de laudos médicos dos 19 mortos pela polícia em ação do dia 27 no complexo do Alemão mostra claras semelhanças com estudo feito em vítimas das forças fluminenses entre 1993 e 1996, pelo sociólogo e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Ignácio Cano.
Segundo Cano, membro do laboratório de Análise da Violência da Uerj, os casos analisados na pesquisa revelam "indícios fortíssimos" de assassinatos e uso excessivo da força por policiais.
No Alemão, a média de buracos de entrada de bala é 3,6 por pessoa; 68% dos corpos receberam ao menos um disparo pelas costas; 26% dos cadáveres tinham pelo menos um tiro na cabeça, houve quatro tiros à curta distância, e 52% dos corpos tinham outras lesões, além daquelas de armas de fogo.
Os dados dos anos 90 mostram média de 4,2 perfurações de entrada de projéteis em média, por cadáver; 65% dos corpos tinham ao menos um disparo pelas costas; 61% tinham ao menos um disparo na cabeça; 32% dos cadáveres tinham outras lesões além das provocadas por armas de fogo, e 83% dos casos não contavam com testemunhas civis.
Em apresentações feitas na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Cano expôs em itens "como diagnosticar uso excessivo da força", segundo indicadores médico-legais:
1) disparos na região posterior;
2) disparos na cabeça;
3) disparos à queima-roupa;
4) alto número de disparos.
Outro indício de uso excessivo da força na ação do dia 27 é o fato de o número de mortos, 19, ter sido muito maior que o de presos, quatro.
"O normal é que haja mais feridos que mortos. Essa é outra evidência de execuções e do excesso da polícia", disse Cano.
O número de policiais militares feridos em serviço em 2007 corresponde a 12 vezes o número de PMs mortos em confronto com criminosos.
Embora se trate de uma situação de guerra e de militares regulares, as forças armadas dos EUA no Iraque tiveram proporção semelhante: 3.590 mortos e 25.830 feridos até a noite de quinta. O número de feridos é 13,8 vezes o de mortos.
A ação do Alemão subverteu, porém, a lógica de tiroteios e de confrontos em guerra. Teve ao menos 19 mortos, mas apenas sete feridos e nove presos.
"E é pior tendo em vista que na guerra há tentativa de matar. É um quadro de uso excessivo de força e a intervenção com a intenção de matar e não prender", avalia Cano.
A ONG Viva Rio prega que a polícia adote a doutrina da não-letalidade. Cano vê ironia no fato de o governo do Rio dizer que havia "pacto de não-agressão" nos governos anteriores. "Se havia, tal pacto já provocava mais de mil mortes [autos de resistência]. A política sempre foi a de uso excessivo da força."


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