São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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SAÚDE

Promotoria e Estado tentam descobrir o que está provocando a elevada incidência da doença em população ribeirinha

"Cidade de cegos" mobiliza autoridades no PA

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Em Muaná, o lavrador Raimundo Pontes, 59, com problema de visão, caminha auxiliado pela mulher


MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MUANÁ

"Em um mês perdi a visão. Meus olhos apenas ardem."
O relato acima é do lavrador Raimundo Pontes, 59. Ele é um dos 66 ribeirinhos da localidade do rio Atuá, no município de Muaná (PA), que configuram um mistério sobre o aparecimento de casos de cegueira e de pessoas que afirmam que estão ficando cegas nessa região.
O caso mobiliza todas as autoridades de saúde do Pará, além do Ministério Público Estadual. As causas ainda são desconhecidas. Promotores e a Secretaria Estadual da Saúde iniciaram as investigações há duas semanas na tentativa de descobrir o que está por trás dos casos de cegueira.
Até agora o Ministério Público ouviu 66 pessoas que afirmaram possuir deficiência visual, sendo que 16 estão cegas de um olho e dez não enxergam nada.
Os principais relatos dos sintomas apontam fortes dores de cabeça, ardência nos olhos, alucinações visuais e visão enfumaçada. Em 90% dos casos, a vista direita é a primeira a ser atingida.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que um índice tolerado no mundo seria de 10 a 20 casos de cegueira, em média, para cada 100 mil habitantes. Em uma população de pelo menos 2.000 habitantes, como as das localidades que beiram o rio Atuá, no sul do arquipélago de Marajó, o índice tolerável seria de 0,2 a 0,4 caso de cegueira.
A OMS também estima em 50 milhões o número de cegos em todo o mundo. Destes, cerca de 1,6 milhão são brasileiros.

Suspeitas
Entre as principais causas investigadas pelos promotores e autoridades de saúde estão contaminação química, origem genética, causas naturais e infecção por insetos -que é a causa menos provável, segundo especialistas.
Poucos moradores têm recursos para procurar um oftalmologista na capital paraense. São oito horas de barco até a sede do município de Muaná e mais oito horas de barco até Belém.
Os casos começaram a ser registrados quase que simultaneamente há dez anos, mas há casos que surgiram há um mês. A idade média da população que apresenta cegueira é de 50 anos, predominantemente homens. Mas há um caso recente de uma jovem de 27 anos que está cega.
"Tem dias em que os olhos e a testa não param de doer. Tudo começou com a vista direita, que fechou, depois não enxerguei mais nada", disse Cleide Coutinho Nunes, que parou de trabalhar na roça quando ficou cega.
A Agência Folha ouviu 33 relatos de ribeirinhos cegos ou que dizem ter deficiência visual. Com a doença, eles deixam de pescar e trabalhar na lavoura, meios de subsistência da população local.
Moradores disseram ao promotor Francisco Lauzid que os casos podem estar ligados a uma contaminação supostamente causada pela prospecção de petróleo. A primeira prospecção na região ocorreu há 40 anos e a última há 15 anos, segundo moradores.
O Ministério Público apura se algum metal pesado ou outros agentes químicos contaminantes foram utilizados durante o trabalho de prospecção.
O Estado formou um grupo de especialistas nas áreas ambiental, de epidemiologia, de oftalmologia e laboratorial para trabalhar no caso. Foram coletadas amostras de água, solo, sangue e fezes da população ribeirinha. O laudo deve ficar pronto em dez dias.
A Secretaria da Saúde de Muaná admite, oficialmente, apenas seis casos de cegueira no município e prefere se manifestar só após a conclusão dos laudos do Estado.


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