São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"Trocando em Miúdos"

Ou deveria ser "Trocando as Bolas"? Explico: na semana passada, ao citar alguns versos de uma canção de Francis Hime e Chico Buarque ("Quando olhaste bem nos olhos meus..."), troquei o nome da música. Os versos são de "Atrás da Porta", e não de "Trocando em Miúdos" (que também é obra da dupla). Agradeço aos inúmeros (e gentis) leitores que me advertiram do cochilo.
Por falar em trocar as bolas, aproveito o burburinho causado pela indefectível reunião mensal do Copom (Comitê de Política Monetária) para tratar de duas expressões muito comuns nessa situação: "ponto percentual" e "por cento". Suponha que a taxa Selic seja de 10% e o Copom a aumente para 11%. De quanto é o aumento? De 1%? Ou de um ponto percentual? Ou tanto faz?
Não tanto faz, não, caro leitor. Os nomes das bolas (ou dos bois) não podem ser trocados. Lembre-se de que a preposição "por" da expressão "por cento" estabelece relação de divisão (1% significa 1 dividido por 100). Como 1% de 10 é 0,1, só seria possível falar de um aumento de 1% se a taxa passasse de 10% para 10,1%. Se a taxa passa de 10% para 11%, o aumento é de 10% (10% de 10 = 1), ou de um ponto percentual (de 10 pontos percentuais para 11).
A esta altura, o leitor talvez esteja achando que pirei. Não pirei, não, nem virei professor de matemática. Não é a primeira vez que me ponho a discutir problemas que, embora pareçam essencialmente matemáticos, são de raciocínio, de compreensão de texto, de leitura, enfim. Dão-me razão as questões dos mais importantes concursos públicos do país.
Quer ver outro caso? Em poucos meses, o percentual de desempregados de um país passa de 10% da população economicamente ativa para 20%. O aumento foi de 10%? Ou de 100%? Foi de 100%, caro leitor, ou de dez pontos percentuais (é só fazer as contas). O emprego dos nomes precisos é mera decorrência da correta interpretação dos fatos. Insisto: antes de ser de matemática, a questão é de leitura, de raciocínio, de compreensão do texto.
Quem raciocina mal lê mal, compreende mal e, conseqüentemente, decide mal. Quer um bom exemplo? Num posto bancário (de auto-atendimento), há vários caixas eletrônicos. Num deles, lê-se esta informação: "Depósito somente neste equipamento". Isso significa que no tal equipamento só é possível fazer depósitos? Não necessariamente, caro leitor.
"Depósitos somente neste equipamento" não equivale a "Neste equipamento somente depósitos", mas boa parte dos usuários lê desse modo a mensagem. Muitas vezes, o resultado disso é perda de tempo em longas e inúteis filas.
Outro caso semelhante é o da placa de trânsito que indica sentido obrigatório (a popular seta da "contramão") sob a qual se põe esta observação: "Exceto ônibus". Muita gente entende que a restrição só vale para os ônibus. É o contrário, caro leitor: só os ônibus podem circular por ali. Nem preciso dizer qual é o resultado disso.
Não resisto à tentação de terminar o texto propondo-lhe uma reflexão sobre esta famosa frase: "Toda regra tem exceção". Já pensou bem nisso, caro leitor? Se toda regra tem exceção, pode-se muito bem pensar que essa regra também tem exceção e que, portanto, existe regra sem exceção. Que coisa incrível, não? É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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