São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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NOVOS TEMPOS

Mudanças para modernizar o Código Penal retiram expressão "mulher honesta" e extinguem rapto consensual

Comissão da Câmara aprova eliminação do crime de adultério

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou anteontem, por sugestão de entidades feministas, um pacote de mudanças no Código Penal acabando com a punição por adultério, com os crimes de sedução e rapto consensual e tirando a expressão "mulher honesta".
O projeto de lei, aprovado por unanimidade, extingue a possibilidade de um réu acusado de estupro ser perdoado pela Justiça caso a vítima se case com outra pessoa. O texto, relatado pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), mantém o perdão dado hoje aos réus que se casarem com a vítima, por entender que a mulher estuprada seria beneficiada.
O perdão só pode ser concedido se o estupro não for resultado de lesão corporal grave. As ONGs (Organizações Não-Governamentais) queriam manter a punição mesmo quando houvesse casamento entre o suspeito e a vítima, mas o relator não acolheu a proposta. "O legislador objetiva, aqui, a preservação da vítima, impedindo que o crime sexual antes sofrido perturbe a sua tranqüilidade conjugal e familiar. (...) Na verdade, ao invés [sic] de discriminatório, o dispositivo busca proteger a mulher", justificou.
O projeto segue agora para votação em plenário. De lá, vai para o Senado. Se for aprovado nas duas Casas, vira lei após sanção da Presidência da República.
O projeto tenta modernizar o Código Penal, de 1940, dando-lhe um tom mais politicamente e juridicamente corretos. Um dos exemplos é a retirada da expressão "mulher honesta" do código.
O conceito não é definido em lei, mas interpretado pela Justiça a cada caso. A maior dificuldade é que a definição imaginada para a sociedade brasileira em 1940 dificilmente é aplicada nos dias de hoje. Na época, honesta era a mulher virgem ou casada e de conduta considerada correta.
Segundo o Código Penal, apenas a mulher que se enquadrasse nesse conceito de honestidade poderia ser considerada vítima de alguns crimes, como rapto (que é o seqüestro de mulher com fins libidinosos) mediante fraude.
O projeto acaba com o crime de adultério, punido hoje com reclusão de 15 dias a seis meses. Segundo Myllena Calazans de Matos, 29, assessora do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), "era uma tutela excessiva e o controle do exercício de sua liberdade sexual por parte do Estado".
Segundo Biscaia, o objetivo do crime era punir as mulheres. "Os casos eram raros, mas ainda se viam condenações. Era má utilização do aparelho policial, que era usado para fazer flagrantes de adultério com o objetivo de se conseguir pensões melhores nas separações. O direito penal não pode ser usado para isso."


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