São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

"Anatomia semelhante à de macacos"


O leitor certamente notou a presença do acento grave, indicador de crase, não? E por que ocorre esse acento?

EM SEU ÚLTIMO VESTIBULAR, a Fuvest apresentou uma questão baseada num fragmento (adaptado) da edição 157 da revista "Fapesp". Transcrevo a seguir a passagem do fragmento que nos interessa para a resolução dessa questão: "Anteriormente, houve outras descobertas arqueológicas, como, por exemplo, as feitas na Tanzânia, em 1978, que revelaram pegadas de 3,7 milhões de anos, mas com uma anatomia semelhante à de macacos. Os pesquisadores acreditam que as marcas recém-descobertas pertenceram ao Homo erectus".
Vamos à questão: No trecho "semelhante à de macacos", fica subentendida uma palavra já empregada na mesma frase. Um recurso linguístico desse tipo também está presente no trecho assinalado em: a) A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo às futuras gerações; b) Recorrer à exploração da miséria humana, infelizmente, está longe de ser um novo ingrediente no cardápio da tevê aberta à moda brasileira; c) Ainda há quem julgue que os recursos que a natureza oferece à humanidade são, de certo modo, inesgotáveis; d) A prática do patrimonialismo acaba nos levando à cultura da tolerância à corrupção; e) Já está provado que a concentração de poluentes em área para não fumantes é muito superior à recomendada pela OMS".
Como se nota, a banca não pediu o nome do recurso linguístico, mas o reconhecimento dele, o que, sem dúvida, é mais importante. Já sabe onde está a resposta, caro leitor? Vamos direto ao ponto: a resposta está na alternativa "e", mais precisamente na passagem "muito superior à recomendada pela OMS".
No caso abordado pela Fuvest, pode-se pensar que ocorre a omissão de palavras ou expressões citadas anteriormente. Na frase da resposta, evitou-se a repetição, ou seja, houve a omissão da expressão "concentração de poluentes" ("a concentração de poluentes em área para não fumantes é muito superior à concentração de poluentes recomendada pela OMS"). Na frase que está no enunciado da questão (do fragmento da revista "Fapesp"), evita-se a repetição de "anatomia" ("...com uma anatomia semelhante à anatomia de macacos").
Nos dois casos, a operação desse processo se dá com o emprego do pronome demonstrativo "a", que retoma, respectivamente, "concentração de poluentes" e "anatomia". Pois era aí que eu queria chegar. O caro leitor certamente notou a presença do acento grave, indicador de crase nos dois casos, não? O acento apareceu tanto nas frases originais como nas "desdobradas", ou seja, naquelas em que não se evita a repetição dos termos subentendidos, certo? E por que ocorre esse acento?
Vamos lá. Como se sabe, a palavra grega "crase" significa "fusão", "mistura". Em "com uma anatomia semelhante à de macacos", ocorre fusão (ou seja, crase) da preposição "a", regida por "semelhante" (se algo é semelhante, é semelhante a), com o pronome demonstrativo "a", que retoma o termo "anatomia".
Justamente por retomar um termo já citado, esse demonstrativo funciona como "anafórico" (guarde esse termo, presente em enunciados de muitas questões de vestibulares e concursos públicos).
Na frase da resposta ("concentração de poluentes superior à recomendada pela OMS"), o processo é análogo. A preposição "a" é regida por "superior" (se algo é superior, é superior a). O pronome demonstrativo "a" (anafórico) retoma a expressão "concentração de poluentes") e funde-se com a preposição "a", regida por "superior". É isso.

inculta@uol.com.br


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