|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
Remédios não têm remédio
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
De tempos em tempos, a
indústria farmacêutica
surge na mídia com o reconhecimento de que certos medicamentos causam danos graves em lugar das vantagens proclamadas
pelos laboratórios. A história da
segunda metade do século 20 foi
pródiga em alternativas, desde os
efeitos da talidomida até as críticas surgidas nos Estados Unidos a
propósito do Tylenol e, entre nós,
a proibição do Merthiolate. Agora, com o produto Vioxx, do laboratório Merck, um bom número
de leitores pergunta se há remédio seguro para pacientes que dele necessitem, se a lei oferece garantias ao consumidor e, para
completar, se os órgãos de controle dos remédios estão capacitados
tecnicamente para exercerem sua
função.
A primeira resposta é do direito
constitucional. Conforme é evidente ao espírito mais desarmado, a responsabilidade primária
pela saúde do povo é do Estado,
tanto nos cuidados preventivos
como na medicina curativa. Uma
das formas de satisfazer os dois
requisitos é, logicamente, a preservação da qualidade dos remédios através dos controles do poder público sobre a produção de
remédios como garantia essencial
da saúde. Por falar em saúde, é
muito provável que o leitor não
saiba quantas vezes a palavra
saúde aparece na Constituição.
Eu, pelo menos, não sabia. Contei
duas vezes, mas achei números
diferentes. Fico com 29 vezes, pois
a precisão absoluta é desnecessária neste caso. O vocábulo saúde
surge na Carta de 1988, desde os
direitos sociais (artigo 6º) até o
capítulo no título da seguridade
social, a contar do artigo 194.
Os remédios receitados, vendidos e usados no Brasil são sujeitos
à fiscalização de suas fórmulas e à
aprovação no país de origem. A
maior parte dos produtos farmacêuticos vendidos em nosso país
vem de laboratórios estrangeiros,
que, em suas matrizes, são submetidos a fiscalização rigorosa.
Pois, apesar disso, de tempos em
tempos, descobre-se que cá, como
lá, os laboratórios, na preocupação concorrencial do fazer dinheiro (são indústrias com a finalidade precípua de dar lucro), chegam
a lançar na praça fórmulas mal
testadas, insuficientemente
provadas.
Ora, a Constituição e as leis têm
normas impositivas, destinadas a
preservar a saúde do povo, sobretudo nas camadas mais pobres. Se
tais regras jurídicas e as normas
científicas e técnicas correspondentes fossem cumpridas com o
necessário rigor, é de crer que não
seria possível episódio como o
atual, de um remédio ser recolhido pelos perigos causados à saúde
de seus consumidores. Onde está
a falha? Na insuficiência de leis
mais rigorosas? Não me parece
que essa seja a resposta adequada. O desenvolvimento de práticas oficiais capacitadas para o
efetivo controle da qualidade dos
remédios e das formulações farmacêuticas seria o ideal, mas isso
é difícil de realizar. Ainda tendemos a acreditar em verificações
feitas fora do Brasil, com melhor
aparelhamento científico. De
qualquer modo, surgido o episódio agora revelado, as autoridades têm o dever de explicar como
foi possível a falha em permitir a
venda. E terão de dizer, ao menos,
se o recolhimento do produto foi
iniciativa espontânea do laboratório ou se decorreu da diligência
dos órgãos nacionais. Se saúde
aparece tantas vezes na Constituição, é, entre outras razões, para dar legitimidade à exigência
de explicação para a demora em
retirar o Vioxx dos balcões
das farmácias. Diligência e moralidade são bons remédios constitucionais.
Texto Anterior: Estrutura não é fiscalizada no país Próximo Texto: Livros jurídicos Índice
|